Rhenium Valley, Julho de 1893
Theo estremeceu, e abriu os olhos.
Um segundo depois, o barulhento despertador soou, forçando-o a se levantar.
Desligou-o com um tapa forte depois de duas tentativas e tateou o criado-mudo atrás dos óculos. Depois esfregou os dedos na corrente de prata do pescoço, descendo até os dois pingentes.
Era um hábito quase religioso. Aquelas asinhas eram tão leves que ele mal as sentia, e sempre conferia se ainda estavam lá.
Levantou coçando a cabeça, pegou a toalha e entrou no chuveiro. Era tudo sempre tão silencioso que ainda lhe dava certa aflição. Ainda sentia falta dele.
Algumas coisas mudaram nos cinco anos que se foram, outras não. As pessoas, principalmente, elas não mudaram. Ninguém soube o que realmente aconteceu naquela semana tão distante, e várias histórias foram inventadas. O país quase entrou em guerra por tais histórias, aliás. Theo não gostava da hipótese de guerra, mas quem ia acreditar em tudo que aconteceu?
O exército ainda ficou atrás dele por alguns meses, depois eles descobriram coisas mais úteis pra fazer. Eles sumiram mais ou menos quando a reforma da casa de Archie acabou. Theo estava precisamente desocupado, ao contrário dos soldados. A Aurum teve noventa por cento dos prédios danificados, e alguns condenados. A escola só voltou a funcionar dez meses depois, em condições precárias.
Nesse tempo Theo passou a visitar o professor. Como os dois tinham gostos em comum, a convivência foi fácil. Em pouco tempo Theo passou a trabalhar no sebo onde comprava a maioria dos seus livros, e dividia seus dias entre visitas, leituras, chá e o tique nervoso de esfregar o pulso.
Ele realmente parecia bem, enquanto não procurava o relógio de bolso ou coçava a cicatriz. A verdade era que ele fingia estar bem, e se esforçava nisso.
Em pouco tempo o professor passou a apresentar problemas de saúde decorrentes do esforço que fez naqueles dias todos. Lílian curou a inflamação na perna dele, mas disse a Theo que a cura era temporária. O corpo dele já não era tão resistente. As visitas se tornaram frequentes até o dia em que Theo resolveu ir morar com Rutherford.
Seus pais aprovaram a ideia sem relutância. O professor não tinha ninguém por ele, nem filhos nem irmãos, e eles acharam melhor pra Theo morar na cidade.
E foi assim que ele passou a habitar o sobrado com cheiro de livros velhos, que aliás, não mudou em nada.
Theo acabou o estudo básico, e não permaneceu na Aurum para começar a graduação em engenharia, como Archie e Liv fizeram.
Ah, e Amy também. Apesar de que ela formou três anos antes do previsto, pedindo milhares de desculpas por isso. Amy conseguiu se recuperar com certa facilidade. Ou ela fingia também? Theo nunca soube com exatidão.
Theo viveu com o professor por aproximadamente três anos, até que ele sofreu um ataque cardíaco fulminante, e o deixou.
A casa e todo o patrimônio foi herdado por Theo, que não sabia disso. Ele não queria ficar lá, aquela casa era cheia de lembranças. Mas também não queria voltar para a casa da mãe. Decidiu ficar depois de Liv o convencer. Ele deveria manter o legado do professor, e todas suas pesquisas vivas.
Seria mais fácil se não houvesse um Thrower a cada parágrafo escrito. Mas nada era fácil, ele já devia ter se acostumado.
Theo comprou o sebo do velho dono quando ele disse que fecharia as portas e se aposentaria, mudaria para o litoral. Na verdade, comprou o prédio todo, que tinha apenas um andar por cima. Era espaçoso, e Theo manteve fechado, usando como depósito temporário. Algum tempo depois, alugou o apartamento para uma família.
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O Orbe de Reidhas - Legend of Raython, spin-off #1
FantasyQual é o seu sonho? Theophilo Steamwork sonhava com o mundo dos livros que lia, em ver todos aqueles seres mágicos. Sonhava em fugir daquela cidade de ferro e vapor, onde não cumpria as expectativas. Seu sonho era impossível, porém. Christopher Fair...