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 Rhenium Valley, Junho de 1988

Theo olhou pela janela da sala de aula.

         Fumaça das fábricas ao longe. Árvores que enfeitavam o pátio da escola. Dois pardais nos fios dos postes, que rapidamente levantaram voo. Theo os perseguiu com o olhar até desaparecerem de seu campo de visão.

Aquela manhã estava cinzenta demais para primavera. Ou era a fumaça de todas aquelas fábricas? Um zepelin apareceu ao leste. Lento, sobrevoava os prédios, as ruas.

Theo não gostava de zepelins, nem de alturas, nem de fábricas, nem de fumaça.

— Theo! – Ouviu a voz de Archie e logo depois um lápis espetou seu lombar.

Virou-se para o quadro-negro, e para o professor que o encarava.

— Senhor Steamwork, espero não ter atrapalhado sua contemplação da paisagem, mas quero que me diga onde está o erro na construção desta frase. – O professor Rutherford bateu o giz no ponto final da sentença.

Theo leu rapidamente e a resposta veio, quase automática.

— Concordância nominal. Deveria ser "Não faltaram argumentos e opiniões veementes e contraditórias" ao invés de "Não faltou". – Tentou não soar desinteressado, mas falhou.

Rutherford não era um senhor mau. Ele até gostava de Theo, mas não deveria deixar aluno algum vagar por outros mundos em suas aulas.

A falta de atenção de Theo ainda lhe custaria caro. Rutherford sabia disso.

Sabia bem.

— Correto. – Ele girou o corpo e escreveu outra frase rapidamente no quadro. Tinha apenas tufos de cabelo branco nas laterais da cabeça, e usava pince-nez.  Seu corpo era rechonchudo, e os sapatos viviam lustrosos.

Theo pegou seu lápis grafite e empurrou os óculos nariz acima. Olhou o quadro negro, e viu através dele. Desfocou-se da realidade novamente, e voltou a se lembrar daquele livro.

Fingiu anotar algo, mas sua mão trabalhava em outra coisa. Círculos, retas, curvas. Borracha. Outro traço. Um pouco mais forte. Logo o esboço tomou a forma de uma menina. Cachos nas pontas do cabelo, corpete colado ao corpo. Os olhos eram grandes, e ela sorria.

— Quem é? – Theo ouviu o sussurro de Archie novamente.

— O nome dela é Milla. Milla Larck. Foi a fundadora e primeira Imperatriz de Windia. – Theo sussurrou de volta.

— É daquele livro que você não larga?

— Aham.

— Ficou legal. Você ainda me deve meia dúzia de desenhos, sabe disso né?

Theo sorriu. Realmente devia.

Archie era loiro e baixo para um rapaz de dezessete anos. Aparentava ter quinze. Tinha olhos azuis claros e tímidos. Quase não falava, e só tinha Theo para chamar de amigo.

Já Theo era alto e de ombros largos, mas vivia olhando pra baixo. Tentava se diminuir e desaparecer, odiava ser notado. Seu cabelo era castanho e penteado, os olhos eram verdes, verde puro, escuro. Não era o verde élfico. Era comum.

— E qual é o nome do livro mesmo?

Theo puxou o dito de baixo da mesa e passou para Archie.

A Lenda de Raython, de A. L. Vrinford – era um volume bem grande, de capa dura e marrom. As letras douradas estavam sumindo e as páginas estavam amareladas e manchadas. Theo comprou no sebo mais barato daquela cidade, Rhenium Valley. Custou um terço do peço de um livro novo que teria metade das páginas.

O Orbe de Reidhas - Legend of Raython, spin-off #1Onde histórias criam vida. Descubra agora