Capítulo 2

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O couro das minhas sandálias já estava sujo de terra, de uma forma que eu com certeza teria que limpa-lo quando chegar em casa, afinal, não quero que papai sequer desconfie que eu o desobedeci. Já se faziam, pelo menos, quinze minutos, desde que eu comecei a caminhar pela trilha de terra em direção as luzes desconhecidas e conforme o tempo passava, mas eu me aproximava de descobri-las. O que será que eu encontrarei lá? E o que é "lá"?

Conforme a estrada em que eu andava acaba, chego até o limite de um vilarejo. Ele era enorme, maior do que qualquer imagem que já tenha visto em qualquer um dos meus livros. As incontáveis casas eram de um estilo muito diferente da minha, mais modernas, coloridas, se empilhavam em dois andares, algumas exceções chegavam até três. Á frente delas, encontravam-se cavalos amarrados, pastando, esperando seus donos acordarem no outro dia para poderem ser soltos.

A rua agora deixara de ser de terra apenas para se enfeitar com paralelepípedos de pedra escura, haviam lampiões pendurados por toda parte, iluminando a entrada das casas, os estábulos, a estrada e até os telhados. Um sorriso imenso brota em meus lábios enquanto encaro o local deslumbrante diante de meus olhos. Nunca, em minha vida, testemunhei algo tão bonito assim. Me aproximo das casas, das pessoas, da vida que borbulhava dentro daquele gigantesco bule de sociedade. Primeiro, encontro um homem, trajando vestes antigas que nem as do papai, todavia, estas pareciam mais chiques, com o tecido branco bordado á mão.

Tento chamar a atenção do moço, mas ele ignora e passa correndo por mim, entrando na floresta pela mesma trilha de terra que eu acabara de sair. Em seguida, identifico um casal, tento me aproximar e dizer algo, mas o rapaz corria arrastando a mulher para dentro de casa, trancando tudo, fechando todas as janelas e escondendo até o cavalo.

Começo a desconfiar e tomo a liberdade de perguntar para uma senhora, que estava apoiada na janela de sua casa, encarando a rua assustada, o que estava acontecendo, a mesma permaneceu em silêncio por alguns instantes e depois me respondeu dizendo que não tinha ideia, mas que algo lhe dizia que coisa boa não era.

Tomada pelo medo do que poderia encontrar à frente, hesitei em dar outro passo. Olhei para trás, onde estava o caminho de volta para casa, depois virei-me para a frente novamente, encarando aquilo que as pessoas chamariam de "novo", e então, coloquei-me a andar em direção ao mesmo. Eu não vou voltar atrás, não agora. Talvez eu me arrependa por essa decisão? Sim. Mas sinto que preciso chegar ao fundo disso tudo, conhecer, nessa noite, tudo o que esse mundo tem para me oferecer, se não, de que valeu a pena me arriscar para chegar aqui? Qual é a graça de viver se você não puder cometer erros e aprender com eles, ou qual é a graça de viver se você não pode arriscar?

Continuo meu caminho decidida e de cabeça erguida, observando as casas antigas, a estrada de pedra a baixo dos meus pés e também o céu escuro e estrelado. Deveria ter trazido meu livro de astronomia comigo, pois agora, sem nenhum teto para atrapalhar minha visão, finalmente posso contemplar todas as constelações que aprendi. Identifico a minha preferida: Órion, com seu arco e cinturão das Três Marias. Então, de repente, algo chama a minha atenção. Uma fumaça cinza e escura se espalhava pela atmosfera. Preocupada, paro de olhar para cima e volto meu pescoço para frente, me deparando com uma coisa não muito boa: Fogo.

Havia fogo, fogo por todos os lados, as casas queimavam, a vegetação abundante virava cinzas e troncos queimados. Ouço gritos, percebo o caos que ascendia diante de mim. Pessoas, camponeses humildes, cidadãos, corriam desesperadamente por suas vidas. Haviam corpos de soldados estirados no chão, o som angustiante do choro que saia das gargantas das mulheres, ajoelhadas no chão, agarradas aos seus maridos moribundos e ensanguentados, era muito ensurdecedor. Pela primeira vez desde que sai de casa, eu congelo. De repente aquele sentimento de determinação, de que nada poderia me impedir de realizar meu sonho, se esvai. O choque da realidade eletrocuta meu cérebro, passo a sentir o medo e o desespero mergulharem em Minh 'alma.

Um Amor Inesperado.Onde histórias criam vida. Descubra agora