Capítulo 3

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Abro meus olhos, tentando lentamente me acostumar com a claridade que me deparo. Toco a região na minha testa, sentindo-a latejar. Minha cabeça inteira dói, aos poucos vou retornando minha consciência, resgatando memórias dos últimos acontecimentos que eu passei. Eu fui mesmo capturada? Tudo aquilo realmente aconteceu? Uma parte de mim esperava que fosse apenas um sonho, um mau presságio mostrado a mim para jamais duvidar das palavras de papai. Rapidamente me levanto, notando que me encontrava em algum lugar desconhecido. Então é verdade, a noite mais conturbada da minha vida foi real.

Passo a examinar o local a minha volta, vejo que me encontro em um quarto. As paredes eram de um tom marrom escuro desbotado, sustentavam enormes janelas gradeficadas que faziam a luz do sol entrar no ambiente, esquentando o chão de madeira velho. Além disso, haviam diversos candelabros, o que me pareceu estranho, já que na vila eu só encontrei lampiões. Tinha duas camas de solteiro, uma, que era onde eu estava sentada e outra, onde uma garota estava deitada dormindo, talvez desacordada, na mesma hora em que a vejo a reconheço: Diane.

Sua pele morena brilhava ao ter contato com os raios solares, o vestido amassado e espalhado pela cama, bem como seu cabelo bagunçado, são provas do quanto ela lutou para se libertar das mãos dos soldados, mas não adiantou, cá estamos nós.

- Ei, Diane, pode me ouvir? - Digo chacoalhando seu corpo. Aos poucos ela abre os olhos, que depois de abertos arregalam-se, ela se levanta me encarando.

- Safira, onde nós estamos? O que aconteceu despois que eles nos pegaram? - corre direto para a janela, empurrando sua grade, testando sua força e sustento. Um suspiro sai de sua boca.

- Eu não sei, acabei de despertar, estou na mesma situação que você - me levanto, atrás dela.

De repente, somos interrompidas por um estrondo na porta, que abre bruscamente, assustando nós duas. Eu dou um pulo quando vejo alguém entrar no quarto, é uma senhora de idade, baixinha, seus cabelos brancos eram longos e lisos, ela portava-os em duas tranças que caiam singelamente abaixo de suas orelhas. Ela vestia roupas simples e remendadas, mas pelo seu portar, dava para perceber que ela se cuidava muito bem

- Vejo que acordaram, eu sou Vera, serei a responsável por vocês duas de agora em diante - disse a senhora, ou melhor, Vera, sorrindo levemente - Por favor, se precisarem de algo não hesitem em me chamar - ela completa, mantendo sua postura calma e controlada.

- O que está acontecendo?! Onde nós estamos?! - Diane exclama, totalmente alterada.

- Como as senhoritas se chamam? - Pergunta Vera, ignorando os questionamentos feitos anteriormente.

- Eu me chamo Safira e essa é a Diane - respondo educadamente - Nós não sabemos onde nós estamos, a senhora poderia nos informar? -Digo gentilmente, tentando arrancar alguma resposta da senhora, ou pelo menos ganhar um pouco do seu respeito.

- Bom dia, Safira e Diane, as senhoritas estão no castelo do Rei André agora - finalmente, uma explicação - Mas não há tempo para perguntas, ainda há muito trabalho a ser feito.

- Trabalho? - pergunta Diane, curiosa.

- Oh sim! Senhorita Diane, há muito trabalho a ser feito da minha parte, pois a vossa majestade requisitou a presença de todas as virgens de Urbe no castelo e hoje a noite elas serão apresentadas a ele. Temos que escolher os vestidos! E ainda terão que aprender a como se portar perante ao rei!

- E por que há a necessidade de estarmos tão arrumadas? - dessa vez sou eu que questiono.

- Ora! Porque ele dirá quais ficarão e quais não, por que outro motivo seria?

- Quer dizer que se ele não nos escolher para ficar, podemos ir embora? - Se isso for mesmo verdade, talvez eu possa voltar pra casa, meu pai deve estar tremendamente preocupado comigo.

- Não, eu não disse isso. O destino das jovens que não forem escolhidas, cabe ao Rei decidir, elas podem se tornar servas, ou funcionárias do castelo em geral, pois não foram muitos os que sobraram depois do ataque ao castelo, a três dias atrás.

Pelo visto tudo o que Diane me contou era mesmo verdade, houve um atentado. Esse tal de André é o novo rei de Urbe agora. Mas, essa disputa entre os dois impérios já dura faz séculos, lembro-me de ler um livro de história que explicava que essas desavenças duram há cerca de 400 gerações, de realeza a realeza, então por que, agora, depois de tanto tempo, resolveram atacar diretamente um ao outro? Talvez haja algo novo envolvido nisso?

Eu não sei, minha mente está totalmente confusa, todos os acontecimentos traumáticos vivem retornando em minha cabeça. Ao mesmo tempo, acabo de perder qualquer esperança de que um dia volte pra casa, talvez passe a vida inteira nesse castelo, trabalhando, servindo comida a esse tirano!

Isso não pode estar acontecendo comigo, é um sonho. Eu ainda estou dormindo na minha cama, por favor, que seja isso, que seja um sonho. Eu já não seguro as lagrimas. Perco as forças, caio de joelhos no chão gelado daquele quarto pequeno e iluminado, acabo desabando ali mesmo, em posição fetal.

- Como eu disse, há muito trabalho a ser feito, começaremos com um bom banho, já que eu não sei de onde as senhoritas saíram - Diz a velha senhora, nos olhando de cima a baixo - Vão para a banheira, as duas, já.

Diane olha para mim e com sua ajuda me levanto, juntas andamos até uma espécie de banheira de madeira cheia de água, que ficava em um canto do cômodo. Nós duas entramos, já despidas, na mesma. A água estava gelada, mas nada que eu não podia aguentar. Vera nos pede para mostrarmos as mãos e deposita um pouco de um creme na minha e na da Diane. Após explicar que aquele creme devia ser espalhado pelo cabelo ela nos deixa sozinha dizendo que nós deveríamos nos lavar direito, pois teremos de estar cheirosas e no mínimo apresentáveis hoje à noite.

- O que você acha que vai acontecer com a gente daqui para frente? - diz Diane, enquanto espalhava o creme que antes estava na sua mão, pelo seu cabelo.

- Eu não sei, só sei que nunca devia ter saído de casa ontem à noite. - Digo, fazendo o mesmo que ela.

- É mesmo, eu nunca te vi por aqui, de onde você é? - ela me encara curiosa.

- Eu não sei muito bem...

- Como não sabe?

- Eu nunca havia saído de casa antes, até ontem - falo, sentindo um nó se formar na minha garganta só de pensar no meu pai.

- Uau, isso é....pesado. - Ela diz terminando de se lavar e eu também.

A porta é aberta, Vera entra com dois vestidos na mão , um vermelho com mangas longas, que é depositado em cima da minha cama, e outro, verde esmeralda, deixado em cima da outra cama.

- Vistam-se, eu volto daqui a 20 minutos. - E ela sai.

Eu sabia como vestir esses vestidos sozinhas, já que morei sozinha a minha vida inteira e aprendi a me virar, já minha companheira não compartilhava a mesma experiência, tive que ajuda-la pôr seu belíssimo vestido verde.

- Uau, você ficou linda - falo olhando como o vestido caiu bem nela.

- 'Ta dizendo que antes de colocar esse vestido eu era feia?

- Não! Não foi isso que eu quis dizer, eu só...

- Eu sei, 'tô só brincando Safira, não precisa levar tudo tão a sério.

- Vejo que as senhoritas já estão devidamente vestidas. - Assusto-me quando Vera fala subitamente, de onde essa velha surgiu? - Sigam-me.

Vera abre a porta e passa por ela, eu e Diane nos entreolhamos, mas logo a seguimos. A saída do quarto dava para um corredor, onde haviam várias outras portas, como uma espécie de dormitório, mas, não havia nenhuma janela. As paredes possuíam também, tochas e candelabros, o teto com um grande lustre de velas, que apesar de ainda ser dia, estavam todas acesas, algumas gravuras estavam penduradas nas paredes, a maioria ainda parecia ser dos finados líderes de Urbe. Continuamos seguindo a velha senhora pelo estreito corredor. O que será que nos aguarda? Pra onde ela está nos levando? Acredito que só há um jeito de descobrir.

Um Amor Inesperado.Onde histórias criam vida. Descubra agora