Capítulo 14: Família

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Depois de entardecer, cada um de nós três fomos para nossas casas. Consegui ir a pé, já tinha minhas energias de volta. Mas, foi por pouco que eu não cheguei depois do Sol se pôr.

— Cheguei, mamãe. — abri a porta de casa.

— Um pouco tarde, hein, pirralho? — ouvi uma resposta vindo da cozinha, com sons de algo sendo cortado numa taboa de madeira.

— Você cozinhando, Rebeca? Que estranho. — fechei a porta.

— Tsc. Vá pro seu quarto. Parece que o esporro hoje é pra você, não pra mim.

Engoli seco e fiquei com medo da mamãe e do papai de alguma forma terem descoberto meu desmaio.

Subi as escadas suando e tremendo de medo. A porta do meu quarto estava aberta. Assim que entrei, vi o papai e a mamãe sentados na minha cama. O papai, de braços cruzados, e a mamãe com suas mãos em suas próprias coxas. Os dois estavam sérios.

— Marcos. — o papai disse. — Eu e sua mãe precisamos falar contigo.

Eu achei que eu ia enfartar, morrer, levar tanta porrada da mamãe que eu ia voltar ao mundo dos vivos só pra morrer de novo.

— Filho. — ela disse. — Chega de adiar. Tá na hora de você falar o que tem acontecido contigo.

Por pouco, não foi meu segundo desmaio do dia. Por alívio, desta vez.

— Certo. — fechei a porta e fiquei apoiado nela. — É uma longa história...

— A gente tá aqui pra isso, filho. — o papai falou.

— Eu sei, eu sei... Vou tentar dar uma resumida: não foi pelo mesmo motivo que eu fiquei estranho nesses dias. Mas foi pela mesma pessoa... — olhei pro chão. — Primeiro, eu fiquei preocupado porque ela perdeu a mãe e a avó muito nova. Saber disso simplesmente quebrou o meu coração e eu percebi que eu só sou um garoto mimado.

— Você não é— a mamãe tentou falar, mas a interrompi.

— Ontem foi porque ela 'tava com marcas roxas no braço dela. Eu me preocupei, mas ela não queria falar. Só parecia morta por dentro. Falou um monte de coisas que eu não sei se entendo por completo, mas o que me desesperou foi quando ela perguntou se eu não tinha nenhum sonho. De novo, me decepcionei comigo mesmo. E por de novo não poder fazer nada pra confortá-la.

Eles ficaram apreensivos e sérios.

— Mas hoje eu já descobri! — tirei meu olhar do chão e disse animado. — Mamãe, papai, meu sonho é desenhar!

— Desenhar? Mas o quê, filho? — o papai perguntou.

— Eu... meio que não sei ainda. Mas só sei que a minha paixão tá em colocar no papel as coisas que vêm à minha mente. Então, vocês podem me colocar num curso de desenho?

Os dois sorriram.

— E você preocupada com ele, Carla. O que não o mata só o faz mais forte, haha.

— Ainda bem que eu ouvi você sobre tratar desse assunto assim. — bufou. — Mas não espere que se repita.

— C-certo

— Ah! — os interrompi. — Se também não sair muito caro, quero fazer um curso de japonês. Os traços de lá são bastante interessantes e complicados. Talvez mergulhando mais na língua e na cultura eu possa pegar influências interessantes.

Os dois sorriram ainda mais.

— Não sairá não, filho. — a mamãe disse. — Nós ficamos realmente felizes em você pedir essas coisas. A gente percebeu que você andava meio sem rumo, só querendo saber dos seus videogames e do seu computador. Mas, agora que você tem objetivos, isso é um alívio e uma felicidade.

— Sim, sim. Mas, duas condições. — o papai disse, ainda de braços cruzados e olhos fechados.

— Quais? — perguntei.

— É, quais são, Gregório? — a mamãe olhou pro lado confusa, não sabendo do que ele estava falando.

— A primeira condição é: o melhor curso de desenho da cidade é também obrigatoriamente um curso de pintura. Então, você terá que aprender os dois.

— Não vejo problema nisso. Qual a segunda condição?

— A segunda é... — ele sorriu e abriu os olhos. — Que você dê o máximo de si, filho! Que você faça isso pra sentir orgulho de si.

A mamãe bufou, rolou os olhos e dirigiu sua mão direita até seu rosto. Já eu, sorri ainda mais e meus olhos começaram a ficar úmidos. Corri em direção aos dois e os abracei com uma força digna da Maria ou do Dan.

— Não sabia que você agora dava abraços, Marcos. P-principalmente tão apertados e fortes. — mamãe comentou e desfiz o abraço imediatamente, um pouco envergonhado. Ficando em frente aos dois.

— Acho que é só o nosso filho crescendo e interagindo mais, querida.

— Talvez esteja certo, Gregório. Mas, ainda parece que foi ontem que o trouxemos da maternidade — os olhos dela começaram a ficar úmidos também. — Afinal, foi uma aventura em tanto.

— Carla, vai contar de novo a estória? Acho que ele já ouviu mil e uma vezes.

— Não, hoje não. Mas no aniversário dele, será a milésima primeira.

Os dois se levantaram e caminharam em direção à porta. A mamãe a abriu, foi primeiro e desceu as escadas pra ajudar a Rebeca na cozinha. Eu me deitei, exausto.

— Ah, mais uma coisa, filho. — o papai disse, na porta. — Qualquer coisa que a Maria precisar e nós pudermos ajudar, nós faremos. E também, qualquer problema que você tiver consigo mesmo ou sei lá, coisas da sua idade, estamos aqui caso queira desabafar.

— Obrigado, papai. Ah, tem mais uma coisa que eu queria pedir.

— O que foi?

— Eu posso não jantar hoje? A Rebeca que tá fazendo a janta e eu acho que ela vai me envenenar.

— Marcos... — suspirou. — A sua irmã se esforça. Claro, apesar de ela ser meio problemática. Ela quem se dispôs a fazer a janta, porque sua mãe estava preocupada demais contigo. Tenta pegar um pouco mais leve com ela. A adolescência é difícil. E acho que você já tá começando a entender um pouco melhor isso.

— Se ela pegasse um pouco mais leve comigo... — resmunguei. — Mas, tá bem.

Ele apenas pareceu feliz e fechou a porta do meu quarto assim que saiu.

— Eu deveria 'tá mais feliz do que eu tô mas... a Maria não deve ter esse tipo de coisa.

Ouvi arranhões na porta do meu quarto, me levantei e abri. Me agachei.

— Oi, Bowser. Desculpa se não tenho te dado tanta atenção ultimamente. — passei a mão gentilmente por sua cabeça.

Como resposta, recebi um miado e uma mordida na minha mão.

— É, acho que você tá certo em me morder. Mas, ai.

Deixei a porta aberta pra ele entrar, liguei o computador, fiquei conversando no ICQ e jogando algumas coisas.

Ouvi umas batidas na minha porta já aberta e olhei pra ela. Era Rebeca com um prato de comida na sua mão esquerda.

— Você esqueceu de comer, pirralho.

— Ah, desculpa. — me levantei da cadeira em frente ao meu computador e fui até a porta pegar a comida. — Obrigado.

Olhei pra comida e estranhei.

— Todo aquele estardalhaço e barulho lá embaixo só pra fazer bife, batatas fritas e arroz?

— O bife tá bem temperado, sabia?! — corou.

— Desculpa, desculpa. Mas, parece delicioso. Valeu por se esforçar.

— Não foi nada... pirralho. — entregou o prato em minhas mãos de maneira tão bruta que quase caiu no chão e caminhou até seu quarto.

— Complicada... 

Comi encarando a tela do computador e estranhamente o sono veio cedo. Mais ou menos umas dez da noite.

Me joguei na cama cansado, feliz e um pouco preocupado.

A Flor Que Nos UniuOnde histórias criam vida. Descubra agora