Remédios

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Estava na cozinha esquentando o ensopado. Quando a porta da frente destrancou e minha mãe entrou.
" Oi querida" ela disse me dando um abraço. E olhando pra panela assustada.
"Você estar realmente doente, está até fazendo o jantar" ela disse entre risadas.
" Collin fez." Senti um rubor no meu rosto, só de dizer seu nome em voz alta. Fala sério.
"E como você sabe que eu estava doente?" Eu disse, realmente querendo saber.
" Passei pela farmácia no caminho. Para comprar aquele hidratante sabe, e o Isaías disse que mais cedo fez uma entrega aqui pra casa. Eu fiquei preocupada, mas como você não me avisou, pensei que seria só um remédio de cólica."
"Não, eu estava com febre. Collin tirou minha temperatura, sem um termômetro acredita? Ligou pra farmácia, me obrigou a tomar esse remédio e mandou eu descansar no sofá enquanto ele lavava os pratos. Eu acabei dormindo, quando acordei e já tinha ido."
"É difícil de acreditar. Mas eu acredito sim, se me contassem isso ontem eu não acreditaria. Eu disse pra você filha, as vezes as pessoas não são aquilo que parecem. E esse garoto, parece ser bem gentil. Até deixou nosso jantar ponto." Ela disse provando um pouco do ensopado.
"E está divino!" Ela faz uma expressão exagerada o que me fez rir.
"Ele é pra casar" e subitamente eu senti meu rosto esquentar de novo, deve ser a febre...
Acordei bem disposta e animada. Hoje eu vou ver meu amigos da escola sextante, a escola onde eu estudava, particular. Vou rever a Milena, a Talita e o Edu. Meu dia vai ser ótimo! Eles três, eram tipo os três mosqueteiros até eu chegar e eles grudarem em mim. Querendo me enturmar logo, graça a eles meus anos ali foram inesquecíveis. E apesar de estudar lado a lado era difícil se encontrar. Fazia semanas que não nós falamos então estava louca para contar sobre a nova escola e sobre meus novos amigos...
Até me vesti com mais cores, vesti minha saia quadriculada vermelha e um dos meus moletom favoritos.(foto na capa)
As horas pareciam se arrastar, os números da aula de matemática se embalavam na minha mente. Collin chegou atrasado, passou rápido por mim, deu um sorriso e se jogou na cadeira dele. Eu sorri meio desconcertada, ainda não me acostumei com o fato de não sermos mais "brigados" e agora somos "amigos"? Eu sei lá, vou parar de pensar nisso e prestar atenção na aula.
O sinal tocou e eu saí correndo, a Lara já sabia que eu ia pra lá, então foi comer na cantina.
Falei com o seu José, meu antigo porteiro e fui andando até a parte dos fundo da escola. Onde nós sempre ficamos jogados, fofocando, rindo e paquerando. Eu já tive uma pequena queda pelo Edu, mas como era pequena passou rápido. Agora só éramos amigos, amigos não, éramos melhores amigos. Estranhei eles não terem falado comigo a semana inteira nem respondido as mensagens, mas como o ritmo dessa escola é bem diferente da minha atual. Achei que eles só estavam atoalhados de provas e deveres. Ah, eu não sabia como estava amargamente errada.
Vi a Milena e a Talita entrando no pátio e então corri até elas, abracei e beijei seus rostos. Mas o abraço delas foi frouxo e rápido. Estranho, alerta 1.
"Meninas você não sabem como é aquela escola. É uma loucura. Acreditam que no primeiro dia de aula eu tive que lutar por uma cadeira?" Eu disse rindo, lembrando da minha primeira discussão com Collin.
"Eai meninas" a voz de sedutor barato, tomou conta do ambiente.
"Tá na área, Ursulinha" ele disse enquanto me dava um beijo na bochecha, quase no canto da boca. Típico dele.
"Eu estava contando pras meninas do meu primeiro dia ..." Fui cortada.
"Legal, então vamos no rice? Comer aquele japa, você pode contar pra gente lá." Ele disse, e as meninas já foram se levantando.
"Espera gente, tô sem grana. A gente não pode só ficar aqui e eu compro uns pirulitos pra gente?" A expressão no rosto deles foi de pena a nojo. De nojo a superioridade.
Talita levantou venho até mim e disse:
"Esqueci que você não só estuda na escola dos pobres, agora é uma deles também. Então se você não pode acompanhar nosso ritmo, acho melhor nem falar com a gente." Alerta 2, ela nunca usou aquele tom comigo, na verdade nunca ouvi aquele tom saindo da boca dela. Eu ouvia boatos de que ela era mesquinha. Mas eu não acreditava, pois todo dia ela me provava o contrário.
"Concordo com a Talita, acho melhor você nem falar com a gente mais. Pega mal sabe, querida" disse Lara, indo em direção ao portão.
"Vocês não podem falar assim comigo,  somos amigos. O que está acontecendo?" Eu disse tentando contém lágrimas, parece que tudo que eu faço atualmente é segurar as lágrimas. Enquanto elas só querem jorrar para fora de mim.
" O que está acontecendo? E que nós éramos amigos. Éramos, em um passado em que você nos levava para festas vips, camarote e casas de praia. E agora no presente você não tem nada, nada a acrescentar. Então não temos mais interesse em você, querida. É isso que está acontecendo. E pare de nos mandar mensagens e vir atrás da gente. Não precisamos de você. Não somos mais seus amigos, não somos amigos de gentinha." Essas palavras rasgaram meu peito, e arrancaram de lá o que eu tinha mais próximo de um coração. Eu não consigo acreditar nisso, todas os nossos momentos passaram como um flash na minha mente. Nossa primeira viagem, o primeiro por do sol junto, o primeiro porre.
" Eduardo, você também acha isso?" Eu ainda tinha alguma esperança nele.
"Ursulinha, eu sigo as meninas. Então, acho melhor você seguir o seu caminho. E fiquei sabendo que a sua mãe está dobrando turnos para manter a vida de vocês, se quiser uma esmola... Empréstimo, talvez o banco do meu pai consiga pra ela" ele disse, com um sorriso debochado nos lábios.
Eu senti nojo, então eu corri e vomitei todo o meu café da manhã. E fiquei sentada lá, me concentrando apenas em respirar. Despertei de um transe quando o sinal tocou, já era 12:00, perdi as últimas aulas. Merda!
Corri pra escola, todos estavam saindo. Encostei no muro para esperar a Lara, eu preciso conversar com alguém ou vou enlouquecer. Sentia a presença de alguém, então seu cheiro invadiu minhas narinas. Collin.
" Você sumiu nos últimos dois tempos, onde você estava?"
"Em lugar nenhum."
" Olha, a sua pulseira está consertada. Ela fica bem mais bonita assim, desculpa de novo" ele disse com honestidade, segurando meu pulso e fazendo carinho com o dedo indicador.
"Tantos faz" eu disse, chutando uma pedra. E soltando meu pulso da mão dele.

Por quanto mais tempo eu vou ter que falar com esse garoto. Cadê a Lara?
"Ei" ele disse, levantando meu rosto e olhando no fundo dos meus olhos.
"Está tudo bem?" Aquela olhos escuros, que pareciam ter tanta dor, mas mesmo assim parecia tentar escondê-la. Mas é difícil esconder sua dor, quando carrega ela no rosto.
"Tô, cadê a Lara?" Eu disse olhando em volta
"Ela saiu mais cedo. Acho que a mãe dela adoeceu. Mas eu quero saber de você. Você está pálida, o remédio não fez efeito? Se alimentou? Dormiu bem?"ele disse, perguntando uma coisa atrás da outra.
"Para de me encher garoto, só me deixa em paz!" Eu disse num grito, e todos que passavam, olharam assustados.

Eu tentei me desvencilhar dele, então ele parou na minha frente, como uma muralha.
"Não até você me responder. Você está bem?" Ele disse segurando meus pulsos.

Então como uma gota, a gota que faltava para meu ser transbordar. Eu desmoronei.
"Ei, garota. Vem aqui." Ele me puxou para um abraço, temos quase a mesma altura. Seu peitoral Largo e macio, sua pele quente em baixo da malha fina da camisa contra meu rosto.  Encharquei a camisa dele. Todo o tempo, ele acariciava minhas costas. Eu não queria sair dali, era como se o tempo tivesse parado.E eu fui realmente me acalmando.
Percebendo que minha respiração normalizou ele se afastou um pouco. Colocou as mãos no meu rosto e secou minhas lágrimas.
"Melhor agora?"ele disse num tom cauteloso,  como se uma palavra mal colocada pudesse me desmontar.
"Um pouco, eu acho" Eu disse fungando e me ajeitando.
"Quer falar sobre isso?"
"Agora não, eu não quero pensar sobre isso. Mas vou pra casa e vou pensar nisso o dia todo. E..." Vendo que meus olhos estavam marejando de novo ele me cortou e disse:
"Vem, eu tenho um remédio pra você."
Andamos até o final da rua, entramos em um beco, eu já estava ficando com medo. Quando vi uma plaquinha escrita "sorvete aqui" eu olhei pra ele e sorri.
"Remédio? Collin" eu revirei os olhos.
"Você não sabia? O melhor remédio pra tristeza é sorvete de chocolate, é comprovado cientificamente." Ele disse com um sorriso sapeca.
Entre uma colherada e outra, ele fez algumas piadas idiotas sobre professores, uns que eram bem bizarros. E eu ri, as piadas dele eram horríveis.Mas o bom humor dele era  contagiante.

Rimos tanto que esqueci o motivo de estar chorando a minutos a trás. Mas, assim que cheguei no ponto, lembrei na hora e dei um longo suspiro.
"Eu tenho que ir, já passou da minha hora" ele disse olhando o relógio.
"Você sempre está correndo, porque?" Eu realmente estava curiosa, nunca vi alguém correr tanto e mesmo assim chegar atrasado nos lugares.
"Quer descobrir? Vem passar o dia comigo" ele disse dando risada.
"Tá" Ele levou um susto, foi minha vez de rir. Ele não esperava que eu fosse aceitar.
"Tem certeza? Então temos que ir rápido. Vem, lerdona" ele disse correndo pro final da rua. Ele corria bastante rápido, impressionante.

Alguns minutos depois tínhamos chegado, a casa dele é perto da escola. Uma casa simples, mas parecia ter vida. Ou pelo menos teve um dia, o jardim parecia não ser cuidado a anos e a caixa de correio estava entulhada.

Percebendo que eu analisava a casa ele disse:

“Eu sei que não é um palácio, mas é minha casa. E eu realmente gosto dela. Vem vamos entrar” ele disse dando passagem para eu passar pela porta.

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