Reflexo

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Quando eu era garoto morei com a minha avô por um tempo e percebi que ela tinha um costume muito bizarro. Todas as noites pouco antes de dormir ela cobria os espelhos com panos.

Quando a questionei sobre isso ela apenas disse “É mania de gente velha, não se preocupe” e sorriu. Não contente com a resposta fui até meu avô e perguntei por que a vó fazia aquilo. Ele me ergueu e colocou-me em seu colo, como fazia sempre antes de me contar uma história. Meu avô nunca teve limites quanto a histórias de terror, mesmo eu tendo seis anos ele me contava histórias que deixariam qualquer adulto sem dormir por dias. Daquela vez não foi diferente.

- Meu garoto, a sua avó é muito bondosa e não quer te assustar com isso, mas você merece saber a verdade. Há alguns anos atrás estávamos prestes a dormir quando escutamos um barulho estranho vindo do banheiro. Como moramos sozinhos no meio do mato, achamos que fosse algum animal que havia entrado pela janela e já estávamos acostumados com morcegos invadindo, mas era só deixar a janela aberta que eles iam embora. Então nem fomos verificar... Foi um erro que ia nos custar caro.

Mais tarde, naquela mesma noite sua avó me acordou e disse que o mesmo barulho agora vinha do quarto de visitas.
Peguei a minha arma e fui até lá verificar. Mas após vasculhar todo o quarto, não encontrei nada. Logo que ia saindo uma coisa chamou minha atenção. Havia algo escrito no espelho. Ao me aproximar puder ler a frase “Eu não sou você”. Estava escrito de forma desleixada, como se alguém tivesse arranhado tudo com um prego. Achei aquilo estranho, mas pensei se tratar de uma brincadeira da sua vó. Então cometi a besteira de passar a mão sobre os arranhões e para a minha surpresa eles haviam sido feitos do outro lado do espelho. Como se algo tivesse arranhado por dentro, o que não fazia o menor sentido. No mesmo instante corri para o espelho do banheiro, onde encontrei uma nova escrita. Novamente com palavras arranhadas estava a frase “Me deixem sair”.

Fiquei encarando aquilo por alguns minutos até que o inexplicável aconteceu. Meu reflexo se transformou em uma criatura aterrorizante e praticamente indescritível, e gritou tão alto que pensei que ia morrer. Todas as luzes da casa queimaram e o som ensurdecedor só parou quando ergui minha arma e disparei, partindo o espelho em mil pedaços.
Desde então sua vó cobre todos os espelhos da casa com medo que aconteça novamente. Vez ou outra ainda escuto barulhos vindo dos espelhos, mas nunca mais me atrevi a encara-los quando isso acontecia.

Ele concluiu a história e me levou pra minha cama, pois era hora de dormir.

Não sei se apenas fiquei impressionado com a história, mas naquela mesma noite algo aconteceu. Acordei ouvindo um barulho estranho, como se algo estivesse sendo arranhado. Instintivamente meus olhos correram para o espelho, que estava coberto. Caminhei até ele e removi o pano, apenas para revelar uma criatura negra e disforme com olhos esbugalhados e dentes quebrados que ria uma risada aguda, baixa e macabra.

Ele ergueu o dedo indicador e o colocou sobre os lábios num gesto que dizia (Não conte nada pra ninguém) em seguida se transformou em meu reflexo e passou a reproduzir todos os meus movimentos novamente.

Talvez tenha sido um sonho, mas me lembro com detalhes demais pra ter sido. Eu era bem novo na época, mas de uma coisa eu sei, depois daquele dia nunca mais encarei um reflexo da mesma forma, pois percebi que quanto mais tempo eu passava o encarando ele também me encarava de volta.

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