A garotinha do hospital

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Doutor Mauri raramente falava sobre algo que não fosse o trabalho. Estava sempre sério e com postura profissional. Quando o chamamos pra beber jurávamos que ele não fosse aceitar, mas acho que até ele cansou um pouco de si mesmo e quis variar, pois aceitou de primeira.

Quando chegamos ao bar, ele nos surpreendeu bebendo mais do que todos nós juntos. E pela primeira vez o vi abrir a boca para falar de algo que não fosse medicina. Ele já estava meio bêbado, então sua voz soava mole e engraçada. Foi divertido tê-lo por perto. Ele contou piadas, riu, falou besteiras. Parecia um outro homem ali. Até que o álcool subiu um pouco a mais em sua cabeça e ele mudou totalmente. Seu rosto ficou sombrio e sua personalidade mudou.

- Está tudo bem doutor? – Perguntei.

- Sim, só me lembrei de algo que queria esquecer. – Respondeu em tom triste.

- Algo que queira compartilhar?

- Talvez, vocês não vão acreditar e eu estou bêbado demais pra me lembrar amanhã mesmo.

Naquele momento uma curiosidade estranha tomou conta de mim. Trabalhei com o Dr. Mauri durante anos e nunca o vi daquela forma. Ele puxou o ar e começou:

- Há algumas semanas eu peguei o plantão da noite. Meus filhos foram viajar com a mãe e eu não queria ficar em casa sem eles. Como sabem, o turno da noite não é o melhor dos turnos. O hospital fica praticamente vazio com aqueles corredores silenciosos e assustadores, bom pelo menos agora eu os considero assustadores. Sempre fui bem cético quanto a fantasmas e entidades. Vida pós a morte era algo que eu simplesmente não conseguia levar a sério. Até aquela noite. Eu estava em minha sala, não havia pacientes na recepção, então comecei a rever umas teses no meu computador quando ouvi alguém bater na porta. Pensei se tratar de um paciente perdido, afinal ninguém da equipe da recepção havia me entregado uma ficha. “Pode entrar” eu disse, mas não houve resposta. Após alguns segundos escutei uma nova batida. Irritado, levantei de minha cadeira e fui atender. Ao abrir a porta, para minha surpresa havia uma garotinha que aparentava ter pelo menos uns seis anos. Ela parecia assustada e perdida, estava extremamente pálida.

- Olá, quem é você? - Perguntei.

- Meu nome é Catarina Matos Ferreira. Pode me ajudar a chegar até minha mãe? Ela bateu o carro hoje cedo. – Pediu com olhos chorosos.

- Claro. - Respondi. – Qual o nome da sua mãe?

- Elia Matos Ferreira. – Respondeu.

- Ok, vou pedir pro pessoal da recepção fazer um anuncio nos auto falantes, vamos encontrar sua mãe rapidinho, você vai ver.
Em seguida comecei a caminhar em direção a recepção, mas ao olhar para trás percebi que a garota não estava me acompanhando.

- Qual o problema? – Perguntei. – Pode vir, vai ficar tudo bem.

- Minha mãe não está aí. – Ela respondeu com grande seriedade.

- E onde ela está?

A garota não me respondeu, apenas segurou minha mão e me guiou pelos corredores. Eu estava curioso e queria ver onde aquilo ia dar. Caminhamos por alguns minutos, não passamos por ninguém nos corredores, o hospital parecia mais macabro naquela hora da noite e a temperatura havia caído muito sem motivo aparente. Enquanto eu tentava entender toda essa situação, a garota parou de andar em frente a uma porta onde uma placa prateada ostentava a palavra “Necrotério”.

- Aqui. – Ela disse e sorriu.

- Não acho que sua mãe esteja aqui. Só pessoal autorizado pode entrar nessa sala. Nem eu mesmo costumo entrar.
Novamente a garota não me respondeu, apenas encarou a porta como se estivesse em hipnose.

- Catarina, está tudo bem? – Perguntei.

Antes que ela pudesse responder as luzes piscaram, apagaram e voltaram a se acender alguns segundos depois e para meu susto a garotinha havia desaparecido. Ao entrar na sala, percebi que havia apenas dois cadáveres nas gavetas. E ao ler a ficha de ambos veio minha surpresa.

Nome: Elia Matos Ferreira
Idade: 34 Anos
Causa da morte: Traumatismo craniano – Acidente de carro

Nome: Catarina Matos Ferreira
Idade: 06 anos
Causa da morte: Traumatismo craniano – Acidente de carro

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