O "Monstro"

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Na casa onde eu moro há uma janela no banheiro e nessa janela mora um monstro. Embora ele nunca tenha me feito mal, meus pais sempre tiveram medo dele. De fato o medo foi tanto que um dia eles simplesmente fugiram de casa. Eu era apenas uma criança na época, mas lembro-me claramente do meu pai dizer “Me recuso a conviver com esse monstro” pegar as suas coisas e ir embora, minha mãe foi em seguida, ela estava aos prantos quando saiu. Não parava de chorar nem por um momento. Acho que é porque no fundo ela sabia que estava deixando algo importante pra trás. Eu. Mas até hoje nunca entendi como ela pode ter me esquecido se olhava pra mim enquanto chorava e ia embora, mas tudo bem. Algum dia eles vão se lembrar de mim e voltar para me buscar, mesmo já tendo se passado muitos e muitos anos desde que eles se foram. Quando me sinto solitário costumo ir até a janela do banheiro olhar para o monstro. Tem algo nele que me acalma e até me passa um pouco de conforto, mas ele é perigoso. Se não fosse, as pessoas não teriam tanto medo dele. Tentei sair de casa algumas vezes nos longos anos de solidão que tive, mas sempre que eu tentava as pessoas na rua começavam a gritar “MONSTRO” e sair correndo. Em seguida eu voltava correndo pra casa, pois sabia que o monstro havia me seguido e não podia colocar as pessoas em perigo. Sempre que volto eu o vejo, me encarando na janela do banheiro. Com seu rosto totalmente deformado e medonho. Tomei para mim a tarefa de manter o monstro naquela casa, protegendo todo o mundo dele.

Já faz anos que me alimento de ratos e insetos que circulam pela minha casa. No começo foi ruim, mas com o tempo aprendi a me adaptar ao sangue quente deles escorrendo por minha boca. Não é fácil, mas as pessoas do lado de fora estão seguras. É o que importa.
Ontem uma coisa nova aconteceu. Eu estava no porão caçando ratos quando escutei a porta da casa abrir e pessoas entrarem. Permaneci no porão escondido, já havia pelo menos 20 anos desde que eu havia visto uma pessoa pela ultima vez. Eu tive medo.
Esperei até que a noite caísse para sair do porão. A casa estava bem diferente. Limpa e com móveis nos cômodos. Fui até os quartos e pude vê-los. Era uma família. Um homem, uma mulher e uma garotinha. Trouxe-me um pouco de paz no coração vê-los dormindo. Mas então me lembrei do monstro e de que ele poderia machuca-los. Corri até o banheiro e para meu alivio ele ainda estava lá, na janela. Não dormi naquela noite, fiquei encarando o monstro o tempo todo, até amanhecer, para garantir que ele não atacasse a família. Em seguida corri e me escondi no porão. E assim foi na noite seguinte, seguinte e seguinte... Eu protegeria aquela família do monstro seja qual fosse o custo.
Hoje algo diferente aconteceu, eu estava vigiando o monstro quando escutei alguém se aproximar. Era a filha do casal. Ao chegar ao banheiro e me ver ela deu um grito muito alto de pavor. Talvez tenha visto o monstro na janela. Tentei me aproximar e falar que eu iria protegê-la, mas ela me estapeou e saiu correndo. Fiquei com medo e corri para o porão. Me encolhi junto a alguns panos velhos e esperei… Pude ouvir o seguinte dialogo:

- Filha, tudo bem?

- Um monstro papai. Ele é horrível. Eu fui usar o banheiro, quando cheguei lá vi ele olhando pro espelho...

- Calma, pra onde ele foi?

- Pro porão.

- Miriam, toma conta dela. Eu vou lá embaixo resolver isso.

A porta do porão se abriu. Eu estava tremendo no canto mais escuro, mas pude ver o homem descer. Eu não entendia. Ele trazia consigo um objeto. Parecia dois canos juntos numa ponta com uma parte de madeira na outra.
Ele apontou o objeto pra mim e disse:
- Vou te ensinar a não mexer com a filha dos outros, seu monstro.
O objeto fez um barulho ensurdecedor. Em seguida algo quente escorreu pelo meu peito. Era sangue. Senti dor, senti medo... Por um momento pensei que meu pai e minha mãe apareceriam para me consolar, mas não aconteceu. Então eu apenas chorei até tudo ficar escuro.

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