O mendigo e a Rodovia

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Poucos sabem ao certo a história da BR 120. Uma rodovia que guarda tantos segredos quanto se pode imaginar. Mas de todas as história, de todas as aparições, há uma que se destaca. Próximo a final da rodovia há um trecho conhecido como "curva do diabo". São dezenas de acidentes que acontecem lá todos os anos, sendo quase todos fatais. No final do ano passado, eu e uns amigos estávamos indo em direção à praia de Basilisco, para curtir os últimos dias de férias. Por não saber dirigir, eu fui declarado como o copiloto oficial. Entre minhas funções estavam: Distribuir salgadinhos, avisar sobre radares e não deixar o motorista dormir a noite. Eu era bom nessa última. Geralmente quando chegava próximo as 03h da madruga metade da galera estava dormindo e eu e o motorista da noite estávamos ligados na direção, as coisas davam certo assim. Até na última noite da viagem, pelo menos. Luís estava no volante naquela noite, e eu o entretia com uma história de terror. Uma placa na beirada do asfalto passava a seguinte mensagem "Curva fechada a frente". Mas nós nem demos muita atenção. Luís dirigia bem e estávamos tão focados na história que o sono até havia ido embora. Não lembro ao certo qual história era. Provavelmente sobre algum lugar abandonado. Mas vamos voltar ao foco.

A estrada estava escura. Era uma noite sem lua e estávamos num trecho sem iluminação, Luís dividia sua atenção entre o volante e a história. E quando eu estava quase chegando ao ápice escuto Luís gritar "Caralho". Só tive tempo de olhar para frente e ver um vulto coberto por um cobertor negro. Em seguida o carro derrapou. Era possível ouvir o barulho que fizemos a quilômetros de distância. O cheiro de pneu queimado era assustadoramente forte. Mas se eu podia senti-lo era sinal que eu estava vivo. O que me fez ficar grato. Olhei para trás e vi que meus amigos estavam bem. Exceto por um arranhão e um galo na testa. Tirei o cinto e saímos do carro. Lá fora, o susto. O carro havia parado a centímetros de uma parede enorme que circulava parte da rodovia. Se Luís tivesse demorado um segundo a mais para frear estaríamos todos mortos agora. Era muita informação para processar. Encostei na parede e vomitei um pouco. Meus amigos perguntaram se eu estava bem. Eu disse que sim e sugeri que fizéssemos uma parada. Quando meus amigos voltaram pro carro, olhei em volta a procura da pessoa que quase atropelamos, mas não vi ninguém. Ao invés disso, percebi que na parede onde estava apoiado havia centenas de riscos. E os 4 últimos estavam pela metade. Dirigimos calados por uns dois quilômetros até encontrarmos uma lanchonete 24h. Estacionamos e entramos no lugar. A atendente foi educada e nos ofereceu primeiros socorros, mas fora o susto, nós estávamos bem. A moça perguntou o que havia acontecido e quando nós contamos ela ficou pálida. Quando perguntamos se ela estava bem uma mão gigante pousou sobre meu ombro. Dei um grito do qual me envergonhei em seguida. Era apenas um dos clientes da lanchonete. Um caminhoneiro gigante e mal encarado, mas que no fim se mostrou uma boa pessoa. Ele puxou uma cadeira e se sentou ao nosso lado. Em seguida nos contou uma história que jamais esquecerei, ainda que se passem 100 anos. Com uma voz rouca e cansada pelos berros da vida, o homem disse:

- Dirijo por estás bandas ha mais anos do que posso contar. Já vi de tudo que se pode ver, cadáveres, fantasmas, luzes estranhas, assassinatos... Tudo! Mas nada me assusta tanto quanto o mendigo da curva do diabo. Qualquer caminhoneiro que se preze, sabe que a BR 120 não é pra qualquer um. Até os mais experientes caminhoneiros evitam dirigir por ela a noite. Eu tinha esse costume também, até receber uma proposta irrecusável do meu chefe. Transportar uma carga em menos de 12 horas em troca de um pagamento formidável. Ignorei todas as minhas crenças, peguei meu velho caminhão, chamei meu copiloto Raimundo, que Deus o tenha, e fomos. Já era por volta das 03h quando nos aproximamos da curva. Raimundo e eu estávamos discutindo sobre algum jogo de futebol, quando vi ao longe um homem velho e esbranquiçado na beira da estrada. Ele usava um cobertor preto e o simples fato de olhar para ele me provocava arrepios. Então, aconteceu. Eu mal havia tirado os olhos da figura estranha e ele já não estava mais na beira da estrada, mas sim correndo em direção a mim. Joguei o volante pro lado e vi meu caminhão capotar...

Nesse momento ele fez uma pausa e pude sentir que as lágrimas vinham até seus olhos. Não havia outro barulho na lanchonete se não moscas e respirações aflitas e tensas. Então ele continuou:

- Quando acordei estava coberto de sangue. Um corte na minha cabeça cobria com sangue minha visão do olho esquerdo, mas meu olho direito estava intacto. E através dele vi os olhos já sem vida de Raimundo ao meu lado. Juntei todas minhas forças para sair do caminhão e desmoronei do lado de fora. A cena que vi naquele último minuto de lucidez estará gravada na minha mente até o fim dos tempos. O mesmo homem que me fez capotar o caminhão estava parado há alguns metros de mim. Com um sorriso cheio de dentes podres. Ele caminhou até a parede e fez um risco e meio junto a tantos outros riscos que existem lá... Lembro de ter escutado ele sorrir então desmaiei de vez. Quando acordei estava num hospital. Poucos acreditaram na minha história. E os que acreditaram ainda repetem meu velho conselho por aí... Não desviem de coisas ruins durantes as madrugadas da BR 120. Elas não terão o mesmo cuidado com você.

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