Exclusão

25 5 0
                                    

"O amor é a sabedoria dos loucos, e a loucura dos sábios" - Samuel Johnson

Malon King

Já não sentia mais o colchão que estava deitada, meu corpo doía por estar tanto tempo paralisada mas ainda assim eu era incapaz de me mover. Meu nariz e meus pés descalços estavam gelados por causa da brisa fria que entrava pelas janelas quebradas. Eu sei que ela vai aparecer, onde quer que ela esteja uma hora ela vai voltar para casa, e é aqui mesmo que estarei esperando, mesmo que demore horas, ou dias.

Um cheiro horrível pairava o ar, e nem me assusta o fato desse cheiro vir de mim. A última vez que meu corpo teve o prazer de sentir uma água foi ainda no Asilo São João, de onde fui retirada dias atrás. Não lembro de nada, após Lexy dizer que eu conseguiria sair daquele lugar eu entrei em um estado vegetativo inexplicável, as pessoas precisavam me guiar igual uma criança ridícula.

Esse lugar está exatamente como a última vez que estive aqui a um tempo atrás, quando sai com uns amigos meus da universidade para o lago e decidi dar uma volta sozinha e encontrei essa casinha abandonada, parece que Deuses congelaram ele no tempo esperando por minha volta. Essa casa me passa um conforto inexplicável como se tivesse sido feita para mim, mesmo com os galhos invadindo pelas janelas, os musgos que escalam as paredes, essas molas escapando do colchão e toda essa sujeira natural; tudo isso me conforta. Aqui, com todo esse oxigênio só para mim.

Bom, isso até sentir uma leve e fria respiração na minha orelha.

- Eu enxergo com os meus olhinhos... - era ela. - uma menina muito doidinha. - ela ri.

A risada de Romani não era igual às outras, na realidade ela era diferente de qualquer outra risada. Fria, igual qualquer outra coisa relacionada a ela, mas também um pouco doce, como se a doçura fosse proibida mas sempre inevitável.

Viro lentamente por não estar preparada para esse momento, mesmo literalmente esperando por ele durante muito tempo.

E vejo, vejo suas olheiras maiores, seu cabelo platinado estava bem mais fino, seus olhos pareciam mais fundos e seu rosto estava magro igual uma caveira. Mas não sei como, não sei se ela tinha algum segredo, mas ela continuava linda, diferentemente linda, uma beleza tão surreal que era praticamente impossível de existir em uma pessoa nessas condições. Devem ser seus olhos verdes que brilhavam igual esmeraldas, ou sua pele que podia facilmente ser comparada a uma pérola daquelas mais lindas, ou seu cabelo igual neve, mas não aquela neve pura que vem nos primeiros dias do inverno, mas aquela neve que está prestes a descongelar, meio suja, meio acabada.

- Vai ficar me olhando sua doida? - me sento, e ela agacha à minha frente - não está vendo nenhum fantasma, tá?

Seu olhar me desafia enquanto seu sorriso no canto da sua boca zomba de mim. Mas não consigo me imaginar em outra realidade onde eu não seja o galho podre de uma árvore linda, não existe um universo onde eu seja diferente disso.

- Eu... - as palavras não saem. - eu... - olho para ela, que parece bem paciente , enquanto eu pareço bem estúpida.

- Você não tem para onde ir né? - ela toca minha perna tentando me confortar, mas ao sentir sua mão gelada eu só consigo tremer - Foi sua amiga Mary que foi te buscar no Asilo. Ligaram para todos seus familiares, e adivinha? Ninguém atende, ela foi a primeira que atendeu, e acho que a única que atenderia. - Romani não vê o impacto dessas palavras, já que sorri e se joga ao meu lado no colchão rasgado.

Meu cérebro tenta procurar explicações, minha família me odeia tanto assim? Não consigo acreditar que de todas as pessoas, Mary foi a única que acreditou em mim, e ao mesmo tempo a menos esperada. Eu não ligo muito para Mary, nunca liguei, acredito que ela foi apenas a ilusão de uma pessoa gostar de mim de verdade sem ninguém as obrigando gostar. Mas talvez ela nem gostasse, Mary é uma pessoa naturalmente amigável.

No. 9 || h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora