A Liberdade que Limita

Capítulo 10:

Quando despertou, passado do meio dia, Luzia se arrependia ainda mais pelo que havia feito na noite passada. Foram tantos erros cometidos, um atrás do outro, que não sabia qual era o pior de todos. Mas sabia enumerá-los na ordem: o primeiro foi ter aceitado ir pra balada. Esse foi o que deu origem a todos os outros. Se tivesse permanecido no apartplug os outros erros não teriam sido cometidos.

O segundo erro foi beber tanto. Sempre foi controlada para essas coisas, sabia quando estava se sentindo embriagada e parava antes que começasse a agir fora de si. Porém, dessa vez continuou ingerindo álcool mesmo depois de já estar bêbada, o que só lhe fez passar vergonha, dançando de forma extravagante e lhe levou a tomar atitudes impensadas. Uma dessas atitudes foi o terceiro erro: ficar com Wanessa.

Lembrava de muita pouca coisa da festa. Mas uma delas era beijar a garota negra que conheceu aquela noite. Ficou com ela durante um bom tempo até o final da festa. Muitos beijos e mãos-bobas — por parte da outra — rolaram e anestesiada pelas bebidas, Luzia não se lembrava de nenhuma das sensações que isso lhe causou. Não se recordava nem mesmo de como era beijar.

E o último erro, além de todos esses, era a da intensa ressaca que sentia. Sua cabeça latejava, a claridade fazia seus olhos doerem ainda mais e não obstante, havia o embrulho no estômago, a vontade de vomitar depois de ter ingerido tanto álcool, principalmente estando de estômago vazio. Seu corpo inteiro reclamava dos excessos da noite anterior. Até mesmo suas pernas doíam de ter ficado tanto tempo de pé. Os dedos tinham calos do sapato de salto.

Luzia passou o resto do dia em seu quarto, deitada e tentando adormecer mais um pouco. Não tinha energia ou vontade de nada além daquilo. Só conseguia pensar em como as pessoas poderiam gostar daquele tipo de lugar e de se sujeitar àquele tipo de coisa. Também não saía de sua cabeça o fato de ter beijado alguém. Seu segundo beijo. E ela não lembrava de nada.

Estava chateada consigo mesma e ainda mais irritada com Minerva e Valéria. Tanto que fingiu estar dormindo quando uma das amigas apareceu em seu quarto, já no meio da tarde, para ver se estava bem. Não queria conversar com ninguém! Ainda mais com elas!

Foram as duas que pressionaram Luzia a ficar com alguém durante a festa. Minerva tentou arranjar alguém de qualquer jeito, mesmo ela não querendo. E no fim, acabou dando certo. Luzia cedeu a pressão e ficou com qualquer uma. Agora se sentia arrependida e mal. Era como se tivesse usado Wanessa para um teste em si mesma. Um teste que nem lembrava o resultado.

E por que teve que ser assim? Por que as amigas e as outras meninas na festa lhe olhavam estranho apenas porque estava sozinha? Será que não poderia se sentir melhor assim? Não poderia estar feliz apenas dançando? Ou precisava de alguém para que estivesse completa? Queria ter o direito de fazer o que quisesse. Isso era a liberdade. Isso era o mundo delas.

Mas apenas na teoria. Na prática era bem diferente. Na prática a liberdade era limitada. Devia seguir um certo padrão. Não havia felicidade acima de tudo. Não se essa felicidade lhe fizesse diferente. Não se essa felicidade consistisse em não seguir o padrão das demais. Era tudo tão evidente! Com Gustavo havia sido isso. Estava fazendo o que queria, se divertindo, e isso era proibido. As outras mulheres a julgaram. Estando sozinha e feliz era a mesma coisa. A julgavam também por não ter alguém.

Como poderia isso ser liberdade? Liberdade era fazer o que quisesse de verdade. Ser livre. Ser diferente e ao mesmo tempo ser igual!

Igual a todos. Igual aos homens, inclusive. Eles e elas eram seres semelhantes. Se quisesse viver como um dos seres inferiores deveria ter liberdade para isso. Se era assim que seria feliz, deveria poder fazer. E vice-versa. E se sua felicidade e sua liberdade só estivessem completa ao ver os dois mundos equivalentes? E se seu maior desejo fosse que homens e mulheres fossem tratados como seres iguais? Alguém a impediria disso?