Capítulo 26

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Luzia ainda não acreditava no que tinha acontecido! Quem é que aquelas médicas pensavam que eram para ameaçá-la daquele jeito? Dizer que era infeliz apenas porque era sozinha era uma afronta! Ela vivia muito bem consigo mesma! Era assexual e quanto mais os dias passavam, mais orgulho tinha disso.

Não ia procurar ninguém para amar. Seu problema não era esse. Não deixaria que a internassem! Fugiria muito antes disso acontecer. Fugiria para a sociedade masculina. Viveria no meio dos homens que pareciam lhe aceitar muito melhor do que as próprias mulheres. Viveria com Gustavo e de lá terminaria de organizar sua revolução pacífica. Permaneceria em exílio na sociedade masculina até que pudesse enfim ser aceita como é.

Falou sobre isso para Minerva um dia após sair do hospital.

— Seja racional, Luzia — comentou a amiga. — Você vai viver no meio dos seres que lhe fizeram isso? — apontou para os diversos hematomas que a moça trazia expostos sobre o corpo. — Vai viver como eles? Trabalhar o dia todo pra ganhar aquele negócio e poder comprar comida? Não é mais fácil fingir que ama alguém mesmo que não ame? Aposto que aquela sua amiga, a Wanessa, não ia se importar de fingir ser sua namorada.

— Cala a boca, Minerva. Eu não quero brigar com você. E eu não vou fingir nada. Vou lutar pelo que sou e pelo que quero.

— Só depois não diga que eu não avisei...

Minerva saiu do apartplug e foi se encontrar com Valéria, deixando que Luzia enfim ficasse sozinha e longe dos olhares reprovadores dela. A menina dos cabelos azuis queria sossego. A greve na sociedade masculina não havia sido uma ideia tão boa quanto imaginou, e as consequências daquilo ainda refletiam em sua mente e doíam em seu corpo.

Mais do que as dores da surra que levou dos três homens desconhecidos, o que mais lhe incomodava era o ferimento na coxa causado pela bala de borracha. Agora a lesão era um hematoma roxo e feio, ocupando boa parte do membro da garota e latejando com constância, impedindo que se movimentasse como antes. Para se mover, Luzia precisava firmar o peso na outra perna e ir pulando em um pé só, se agarrando nas coisas ao seu redor.

Era mais fácil ficar parada no mesmo local, pela maior quantidade de tempo. E para isso, preferiu ficar deitada no sofá da sala, com a perna machucada para cima, assistindo filmes e séries quaisquer, tirando cochilos de vez em quando.

Estava em um desses cochilos quando ouviu a campainha do apartplug tocar. O bip tocou uma, duas, três vezes em poucos segundos. A menina acordou no susto e ficou sentada em um pulo, sentindo a perna arder com o movimento brusco.

Mais alguns toques incessantes da campainha tiraram Luzia do torpor causado pela sonolência e a obrigaram a se levantar do sofá e ir em direção à porta. Quem seria? Minerva e Valéria tinham a chave. Wanessa não era tão desesperada assim, e quando foi visitar a menina, noite passada, avisou que trabalharia no governo o dia todo e que só a visitaria à noite.

Pulando em um pé só, enquanto se segurava no sofá, no armário e na parede, Luzia foi indo em ritmo lento até a porta, gritando para sua visita que ela já estava indo, que era para ter calma.

A campainha continuava tocando. E só parou depois que ela abriu a porta e se deparou com três figuras paradas na frente do seu apartplug, com uniformes cinzas e expressões de medo:

— Gustavo? Gean? Rick?

— Podemos entrar? — Gustavo perguntou, olhando para trás, com medo que em algum momento uma mulher aparecesse e lhes visse ali.

A Liberdade que LimitaOnde histórias criam vida. Descubra agora