XII. Tudo pelos velhos tempos

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TURNER

 As vozes provindas de conversas, murmúrios, gargalhadas e praguejos se misturava com o som de moedas e fichas, bem como as músicas distintas embaralhadas. O cheiro de suor e de álcool preencheu minhas narinas assim que pus os pés no primeiro degrau da descida e apenas se amplificou quando mais perto eu chegava dos dois seguranças monstruosos ao fim das escadas.

Minha mente nublou com as sensações antigas, empurrando para o fundo da minha mente a apreensão e o medo, e jogando para o topo dela a ansiedade de pôr as mãos naquelas fichas. Inspirei fundo, sentindo minhas mãos tremerem com a antecipação.

Droga.

Enquanto os dois seguranças me revistavam pela segunda vez, de forma brusca e invasiva, uma quarta figura juntou-se à nós. Só então recordei-me de que eu não devia estar ali e que qualquer animação pelas apostas e meu antigo vício só me levariam à minha ruína. Apenas quando pus os olhos no rosto diabolicamente sorridente do loiro responsável por tudo aquilo.

— Quem é vivo sempre aparece — disse Lutz, com um sorriso largo no rosto bem enquadrado, acima da gravata que envolvia o terno perfeitamente ajustado.

*

Era domingo, recém havia passado do meio-dia, e eu estava com o carro estacionado em frente aos letreiros grandes que me atormentaram o sono durante muito tempo. Eu estava em frente, do outro lado da rua, ao local que me trouxe as melhores partidas do mundo e também, os piores pesadelos: Black Casino, em seu letreiro de luzes apagadas por conta da hora do dia.

Eu sabia que apesar do local estar pouco movimentado, podia ser que houvessem ainda mais pessoas no subsolo do que no térreo, provavelmente borrachos do dia anterior. Tirei o bilhete dourado do bolso e fiquei um tempo encarando-o como se ele pudesse trazer uma solução aos meus problemas.

Eu havia saído de Hybridfield por volta das três horas da manhã, deixando um Will tristonho para trás, e cheguei em Mallow Coast cerca de duas horas depois. Passei pela rua de casa cinco vezes, mas não tive coragem de entrar e ter de explicar aos meus pais o que diabos eu fazia ali em tempo letivo. Tampouco conseguiria esconder o desespero que tomava conta de mim.

Então, depois de ficar um tempo sentado na areia da praia, encarando as ondas fortes e despreocupadas, resolvi que o melhor era que eu ficasse na Betty. Ao menos para dormir um pouco antes de ir à guerra. Uma pena que eu não tenha conseguido.

Suspirei, cansado, antes de olhar pela janela de meu carro novamente.

Meu plano era falho, como Will dissera.

"Vou até lá e dou um jeito, já que eu sei como tudo funciona"?

Eu sou retardado?

A verdade é que eu não me arrependia de haver ligado para Frank ao tentar resolver as coisas para Kevin, e eu não sabia como olhar nos olhos verdes e contar-lhe. Will não entenderia. Ainda por cima, ficaria mais magoado, e eu era incapaz de causar-lhe ainda mais sofrimento que já causei.

Teria dado certo.

Frank respira dinheiro, e até hoje eu nunca havia lhe dado motivo algum para não confiar em mim. Teria dado certo, porque ele aceitaria a quantidade de dinheiro que eu lhe oferecesse e deixaria o menino ir. E se não deixasse, eu ainda tinha Marcus como plano reserva.

Mas a parceria dele com Lutz arruinou tudo, e me afogou debaixo de tanto problema. Eu pensei que pararia de respirar, mas eu continuo vivo.

Depois de tanto agonizar-me em desespero e melancolia, decidi aceitar o destino. Se eu não aparecesse em Mallow Coast, depois de indiretamente me meter nos assuntos do cassino, toda a minha família estaria em risco. Lutz sabia de quem se tratava, já que a imensa imobilária chama a atenção na praia turística. Seria muito fácil alguém ser acertado por uma "bala perdida".

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