Capítulo 6

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ERA O CÚMULO DA COVARDIA, E EVANGELINE não inventou uma desculpa e nem tentou se explicar quando deixou o apartamento bem antes das 7 horas, na noite seguinte. Tinha ganhado um tempo ao chegar em casa e, para seu espanto, não encontrar as amigas esperando para fazê-la despejar cada detalhe sórdido do que acontecera na Impulse. Mas, de manhã, foi acordada por elas, todas pulando de uma das camas conjugadas em cima dela, no quarto em que dividia com Steph. Evangeline já tinha resmungado e se lamuriado sobre as amigas a acordarem após uma noitada de trabalho, mas elas a ignoraram e informaram que ela tinha tempo para uma soneca – depois, claro, de dar a elas cada detalhe, palavra por palavra, da vingança definitiva, aquela que a tinham convencido a fazer . Como se tivesse alguma chance de ela cair no sono de novo depois de relatar tudo aquilo. Hesitou por um longo tempo, mordendo o lábio inferior a ponto de deixar as amigas preocupadas. Evangeline sabia que teria que contar tudo ou as meninas imaginariam coisas muito piores do que o que tinha acontecido e não teriam pudor nenhum em fazer uma visitinha surpresa ao Eddie e dar uma bela surra nele. Um frouxo contra aquelas três mulheres ferozes e, sem dúvida, más – a melhor qualidade delas aliás, na opinião de Evangeline. Eddie não teria a menor chance. E Evangeline teria que passar o restante do dia tentando pensar em como bancar a fiança das três, quando levantar os fundos para tirar uma só da cadeia já parecia impossível. As amigas de Evangeline eram leais e protetoras, de uma amizade incondicional, e ela não as trocava por nada no mundo. Por isso, apesar de sentir-se humilhada pelo que tinha acontecido na noite anterior, sem contar aquele final de ai-meu-Deus e sua saída como um robô mudo, programado para obedecer sem questionar, ela despejou toda a história. A primeira parte, que envolvia Eddie, foi até agradável. Agora que estava a distância e não vivendo aquele momento, Evangeline conseguia achar graça no completo fracote covarde que ele era e em como fora idiota de ter transado com ele. Especialmente, de ter sido ele seu primeiro. Apesar de conseguir rir disso, não tirava a humilhação da cabeça, por motivos de: como poderia ter sido tão estúpida e ingênua? Lições duras de vida não eram novas para ela, mas essa ela teria ficado feliz de pular . As amigas dela também acharam tudo muito divertido, depois de superarem a raiva por Eddie tê-la humilhado e agredido em público. Mas Evangeline garantiu a elas que ele tinha recebido o que merecia e que acabara muito mais humilhado que ela. Foi então que Evangeline fez uma pausa, e Steph, atenta como um cão de guarda que nunca deixa nada passar, estreitou os olhos, suspeitando de algo, e encarou Evangeline. Tinha uma habilidade extraordinária de fazer a amiga se sentir como uma colegial pega colando na prova. — Certo, tudo isso rolou nos primeiros minutos em que você estava lá. Tipo, você tinha acabado de chegar e pegou uma bebida quando Eddie se aproximou com a vagabunda agarrada ao braço. Tudo
não deve ter durado mais do que no máximo alguns minutos, antes de o leão-de-chácara ter se envolvido e tirado Eddie e a vadia da jogada, mas você ficou por lá bem mais que isso. O que mais aconteceu? Nisso, Nikki e Lana sacaram o que Steph estava pensando, e Nikki perfurou Evangeline com um olhar penetrante quase tão inquietante quanto o de Steph. — Você está escondendo algo — acusou Nikki. — É, sem brincadeira — Lana resmungou — Desembucha, mulher . Tudo. E não deixe um único detalhe de fora ou, juro por Deus, Nikki, Steph e eu vamos até a Impulse, encontraremos esse leão-de-chácara que deu um fim no Eddie e vamos descobrir exatamente o que rolou depois. Evangeline gemeu, porque elas fariam aquilo mesmo. Os homens que trabalhavam com ou para Drake – ela não tinha sido capaz de descobrir a dinâmica exata no curto tempo em que esteve lá – eram durões. Ela não precisou de mais do que alguns segundos ali para entender isso. Qualquer um com um par de olhos e um mínimo de bom senso era capaz de perceber que era melhor não mexer com aqueles caras. Nunca. Evangeline quase riu do pensamento de Maddox sendo confrontado por aquelas três mulheres, pequenas, porém muito obstinadas e cheias de determinação, que agiam como pit bulls atrás de um bife de primeira quando se tratava de algo que queriam. Não ficariam intimidadas ou amedrontadas por Maddox – ou por qualquer um dos outros durões que trabalhavam na Impulse. O coitado – ou os coitados – nunca saberia o que o atingiu. Com exceção de Drake. Ela quase tremeu com a simples lembrança do olhar dele. Como se a estivesse descascando, camada por camada, e enxergando cada pensamento, reação e emoção que ela tentava com tanto afinco esconder do resto do mundo. E como isso foi bom. Não, suas amigas não teriam chance com ele. E, embora não se deixassem intimidar por pouco, um olhar de Drake as faria sair correndo na direção oposta – exatamente o que Evangeline deveria ter
feito: ela ainda se perguntava por que não tinha saído correndo. Mas, naquela hora, estava em estado de choque e completamente perplexa por toda a sequência de acontecimentos. Nada havia saído de acordo com o plano traçado com tanto cuidado pelas amigas. Evangeline nunca tinha mesmo acreditado que sairia, mas, estúpida, tinha se permitido ser levada para aquela confusão sórdida. E que confusão. Mordeu o lábio inferior, um sinal claro de agitação. Um gesto que a entregava, como as amigas tantas vezes tinham alertado, na tentativa de fazê-la parar . Não que tivesse ajudado. Porque se relatasse o que aconteceu depois que Maddox despachou Eddie... Bom, elas iriam cismar em enfrentar Drake, e essa era a última coisa que queria. Por várias razões, a principal delas sendo a segurança das amigas. Uma segunda e quase primeira razão era que Evangeline sentia que de humilhação estava bom. As amigas irem até a Impulse para fazer uma cena com Drake por causa dela? Estremeceu só de pensar . Já parecia uma fracote completa incapaz de cuidar de si mesma, e as amigas irem brigar no lugar dela só reforçaria isso. Os olhos de Steph, que estavam apertados, e seu cenho, franzido, se suavizaram, e uma expressão de preocupação fez seus belos traços se enrugarem. Ela perguntou, com uma voz gentil: — Vangie, o que rolou? Evangeline olhou para as amigas. De um jeito que não olhava com frequência, porque era muito fraca para causar conflitos e era a pacificadora do grupo. Vivia querendo agradar, para desespero das amigas. Elas queriam deixá-la mais durona, despertar nela um pouco mais de vadia louca – como achavam que eram, embora não fossem. Elas eram as melhores amigas do mundo. Mas Evangeline só queria ficar em paz. Não queria uma existência caótica. Gostava de sua vida tranquila, de seu pequeno grupo de amigas e de seu trabalho em um bar local que não estava nem na mesma estratosfera de um lugar como a Impulse, e que era frequentado por moradores da região – exceto Eddie, claro, que só esteve lá para seduzi-la. E policiais, bombeiros e equipes de serviços médicos de emergência, em particular, que a faziam se sentir segura. Mais uma prova de sua ingenuidade, sem dúvida. Os fregueses eram amistosos e a chamavam pelo nome, e as gorjetas eram boas, graças a suas pernas deslumbrantes, aos sapatos sensuais e a seu sorriso mais doce que mel – de acordo com as amigas. Porque, com certeza, ela não se considerava assim nem de longe. A descrição sempre provocou em Evangeline um ataque de riso histérico, mas ela as amava profundamente pelo carinho e apoio incondicionais e pelo esforço em tentar convencê-la de que a conheciam melhor do que ela mesma. As intermináveis horas que passavam reforçando sua autoconfiança, e a convicção que via em seus olhos e ouvia em suas vozes a aqueciam por dentro e por fora. Evangeline apenas revirava os olhos e afirmava que qualquer garçonete que se esforçasse para fazer os clientes se sentirem bemvindos após um longo dia de trabalho e lembrasse seus nomes e drinques preferidos receberia o mesmo tratamento. E Steph bufava e retrucava que, se fosse esse mesmo o caso, elas estariam faturando tanto quanto Evangeline em gorjetas. Com um suspiro, Evangeline se adiantou, porque a situação já estava perdida. Se não contasse tudo, as amigas iriam até a Impulse, interrogariam Maddox e sabe-se lá quem mais e provavelmente acabariam no escritório de Drake. E se ela confessasse cada mínimo detalhe? Quem garante que o resultado seria diferente? Neste caso, elas talvez pulassem Maddox e outros subordinados para ir direto até Drake. Então, fez algo que nunca tinha feito com as amigas, porque sempre teve total confiança naquelas mulheres. Nunca tinha questionado a lealdade delas. Mas também sabia que, uma vez que dessem a palavra, a manteriam, mesmo que isso as matasse – e esse era o caso. Evangeline impôs condições. — Vou contar o resto, mas só se jurarem que, primeiro, o que eu disser nunca vai sair desta sala e permanecerá entre nós quatro. E, segundo, vocês vão deixar o assunto em paz. Em paz mesmo, tipo, esquecer assim que eu terminar de falar . E nada de querer tirar satisfação com ninguém, ficar fazendo perguntas, investigações ou ficar se intrometendo. Vocês têm que prometer — Evangeline repetiu, com ênfase. — Ou não conto nada. As três pareciam chocadas, mas concordaram com a cabeça, uma de cada vez, embora Steph não parecesse muito feliz em prometer algo antes de saber o que seria revelado. Seus lábios se torceram em uma linha rebelde, mas Evangeline a encarou e não desviou os olhos de Steph até que ela levantasse as mãos, se rendendo. — Ok, ok — disse, irritada. — Eu prometo. — Steph olhou para Lana e Nikki e acrescentou: — Todas prometemos. Agora quer acabar logo com isso? Estamos morrendo de curiosidade! Satisfeita com o consentimento das amigas e sabendo que elas nunca faltariam com a palavra, Evangeline contou, hesitante, tudo o que tinha rolado depois de Eddie ter sido expulso da boate. Não deixou nada de fora. Nenhuma palavra que Drake dissera. Mesmo que quisesse, não poderia esquecê-las – estavam gravadas em seu cérebro. Quando terminou, suas bochechas estavam em chamas e sem dúvida tão vermelhas que pareciam queimadas. Estava tão quente no quarto que ela necessitava de um banho frio com urgência, ou melhor ainda, de uma banheira cheia de gelo, em que pudesse submergir até que aquele seu corpo traíra, ruborizado e excitado, se livrasse dos efeitos persistentes da boca, dos lábios e da língua de Drake. Do toque dele. Deus, um simples toque dele a tinha deixado em chamas. Não se atrevia a imaginar como teria sido se tivessem ido mais longe e tido uma transa completa, com penetração de algo além da língua dele. Sentiu de novo uma onda de calor invadir seu corpo, e cada uma de suas partes íntimas formigar com uma ansiedade selvagem. Tinha que parar com isso! Como é que, horas depois, apenas a lembrança das coisas que ele tinha feito conseguia transformá-la naquela bagunça total de hormônios? Não teve nem coragem de seguir encarando as amigas; há tempos tinha fixado o olhar em um ponto distante, para não ter que ver as reações delas. Quando, enfim, se atreveu a dar uma olhada nas expressões delas, o rosto ainda abaixado, viu os queixos caídos e os olhos arregalados em estado de choque. E, pela primeira vez na vida, elas ficaram sem saber o que dizer – particularmente Steph, que sempre sabia o que falar . Nikki abriu e fechou a boca várias vezes seguidas enquanto Steph apenas olhava estupefata. Surpreendentemente foi Lana, a mais quieta das três, que enfim conseguiu articular, meio guinchando: — O quê? Sério? Você está falando sério? E foi um grunhido. Quase inaudível devido à descrença óbvia que quebrava suas palavras. Depois que Lana rompeu o silêncio de estupefação, uma enxurrada de perguntas veio de todas as direções, até que Evangeline cobriu os ouvidos e gemeu, afundou-se de volta em seu travesseiro e fechou os olhos. Ela pegou o outro travesseiro e o teria colocado sobre a cabeça para não escutar mais nada, mas ele foi tirado de sua mão, e Evangeline viu-se encarando a expressão indignada de Steph. — Ah não — Steph bufou, com os olhos brilhando, sua cabeça pairando sobre o rosto de Evangeline. — Você não vai escapar dessa. — Ela parou, claramente sem palavras pela segunda vez – duas vezes em questão de segundos? Suspendeu a mão acima dos ombros, palma para cima e dedos estendidos, no gesto universal para dizer o quê? A expressão em seu rosto dizia tudo que o gesto não conseguia... Por quê? Como? Puta merda! Sério? Se não fosse pelo fato de os eventos terem sido muito reais e terem acontecido com Evangeline, ela teria achado as reações das amigas hilárias e estaria rachando de rir, histericamente, como se tivesse conseguido pregar a maior pegadinha – algo de que não era capaz nem de longe, porque suas amigas diziam que ela era muito transparente e não saberia nem por onde começar a enganar alguém. Faziam isso soar como um crime, ou no mínimo um pecado capital. As pessoas se orgulham de serem desonestas e, pior ainda, serem convincentes e bem-sucedidas nisso? Evangeline suspirou porque sim, era de fato tudo aquilo de que a acusavam, embora "acusar" fosse uma palavra muito forte. As amigas se afligiam com a ingenuidade dela e sua incapacidade de ser maldosa e mal-intencionada com aqueles que mereciam.

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