MATERIAL SUSPEITO

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Bakou acompanhou Marbur até a sala da UDL. Caminhou às costas do superintendente, fitando sua nuca com um olhar neutro e, talvez por isso, intimidador. Jamais se poderia saber o que um homem como Bakou pensava. Naquele mesmo momento ele poderia estar se recordando de certa recepcionista de um hotel de Londres, com quem passara uma semana inesquecível num minúsculo apartamento de Charing Cross. Ela era hábil em preparar pizzas e comidas congeladas e insuperável na maneira maravilhosa de fazer amor. Possivelmente jamais saberá que abrigara em sua casa, por uma semana, o mais perseguido espião estrangeiro em território inglês, responsável direto pela morte de um contraespião particularmente eficiente que se aproximara demais de uma descoberta sobre certa rede de informações de importância vital para a Primeira Divisão da KGB.

Marbur apontou-lhe uma cadeira. Bakou sentou-se, abriu o sobretudo e retirou uma cigarreira. Prendeu o filtro de um dos cigarros entre os dentes e ficou empurrando-o de um lado para outro com a ponta da língua, enquanto pensava. Marbur encarou-o.

— Sinto que algo o preocupa, Bakou. De que se trata? — indagou, sondando-o.

— Qualquer coisa não se encaixa. Há um ponto falho nisso tudo, Marbur. Por que os americanos usariam um código ultrapassado incluindo na mensagem a chave para que pudesse ser decifrada, justo num período de turbulência solar, quando suas comunicações poderiam ser interceptadas com maior facilidade? — Bakou retrucou, mais como se expusesse as perguntas a si mesmo, procurando fechar um elo frágil naquela cadeia de fatos que lhe fora apresentada.

— Pensei nisso também. A primeira hipótese é a mais viável: Eles não sabem que possuímos as chaves de alguns de seus códigos, devidamente catalogados em nossos computadores. Segunda: num período tão impróprio, certamente podem ter julgado que não nos daríamos ao trabalho de permanecer na escuta, o que seria também plenamente aceitável.

— O assunto é de segurança máxima. Jamais eles se deixariam guiar por suposições, Marbur — interrompeu-o Bakou, ainda pensativo.

— Há uma terceira hipótese também. Esse foi o período escolhido por Oliver Clark para viajar. Você deve saber melhor do que eu que, nesses assuntos burocráticos, os americanos são exigentes. As férias de Oliver Clark se iniciavam nesse período e não poderiam ser antecipadas ou adiadas, considerando a importância de seu trabalho e de sua necessidade psicológica de relaxar. Juntando tudo isso, temos mais do que o bastante para acreditar na veracidade da mensagem interceptada. Oliver Clark entrou em férias. É um funcionário prioridade Gold, intervalo cinco. A notícia de sua viagem tem de ser transmitida às embaixadas e postos de segurança para que tomem as providências necessárias. No entanto, há o problema da turbulência solar que afeta as comunicações. Um código novo poderia ser arriscado, mas temem que captemos a mensagem e que possamos decodificá-la a tempo. Usam, então, um código ultrapassado, com sua chave de segurança, sem suspeitar que isso nos permitiria decodificá-la, pois a temos em nossos computadores. Precisavam fazer isso, isto é, incluir a chave. De que outra forma as embaixadas e postos de segurança conseguiriam traduzir o antigo código? Usaram-no sem pestanejar. Analisando as probabilidades de que ele fosse decifrado, chegaram à mesma conclusão que nós: seriam necessárias cinco semanas de trabalho de um computador especial para chegar ao segredo. Quando isso acontecesse, Oliver Clark já teria terminado suas férias. Não contavam, porém que esse código nos fosse acessível em função da chave de segurança que eles precisaram incluir — concluiu Marbur, encarando Bakou com confiança.

O agente especial, no entanto, ostentava a mesma fisionomia de antes, como se alguma coisa o incomodasse e toda a sequência de deduções de Marbur não o tivesse impressionado. O superintendente da UDL demonstrou uma ligeira irritação, percebendo que não seria fácil trabalhar com alguém tão importante como Bakou por perto. Perturbava-o saber que o outro possuía fortes influências na Primeira Divisão. Agradá-lo, portanto, seria abrir caminho a essas mesmas influências. Isso, de certa forma, poderia ser difícil, caso Bakou resolvesse adotar uma conduta pessoal de investigação, relegando o trabalho da UDL a um plano secundário.

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora