A CONEXÃO

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Durante o resto da noite Oliver trabalhou no computador. Agiu como um autômato, num trabalho alucinado e suicida, como se ele próprio estivesse programado para fazer o que fazia, ingerindo mais algumas pílulas estimulantes durante a madrugada e completando a programação pouco antes do meio-dia. Estava pálido e trêmulo. Profundas olheiras marcavam seus olhos. Sua pele ganhara uma aparência doentia, reforçada pelos olhos injetados. Hamsher e Marbur haviam se retirado durante a madrugada, mas retornaram pela manhã, quando um sol pálido lutava inutilmente para vencer as nuvens escuras e baixas que se adensavam, indicando uma nevasca iminente. Permaneceram na sala de vidro, mantida numa temperatura adequada o tempo todo, observando o trabalho febril do americano.

Oliver trabalhara ininterruptamente. Não tocara no hambúrguer posto a seu lado. Ignorara o desjejum que alguém lhe trouxera ao alvorecer. Concentrara-se inteiramente em seu trabalho, demonstrando habilidade e memória prodigiosas, pois não se valia de nenhuma anotação. Tudo estava em seu cérebro e era transposto ao computador de uma forma que impressionara Marbur, Hamsher e os outros, jogando dúvidas nas expressões de seus rostos. Alguns comentavam que aquele trabalho era impossível demais para ser eficaz. Jamais algo com o que se pretendia poderia ser feito, embasado unicamente na memória de um homem. Oliver seria um gênio, um homem programado como um computador ou apenas procurava ganhar tempo desnecessariamente, pois se estivesse tentado enganar a KGB seu destino seria trágico.

Quando os homens chegaram com a comida do almoço, estacionando o furgão dentro do depósito e começando a retirar as enormes panelas, Oliver deu por terminado o trabalho que se propusera realizar. Imobilizou-se, debruçando-se no teclado, como se adormecesse. Hamsher e Marbur trocaram olhares ansiosos. O silêncio e a imobilidade de Oliver significavam que o trabalho de programação estava pronto. Restava acionar a conexão e verificar até que ponto tudo aquilo fora válido. Isso gerou um clima de expectativa que manteve os dois homens imóveis, olhos fixos em Oliver. Este, afinal, ergueu-se e cambaleou, apoiando-se à cadeira que girou, quase o derrubando. Marbur e Hamsher fizeram menção de ir em seu socorro. Ele fez um gesto de mão, dispensando-os.

— Estou bem... — afirmou, deixando a sala e indo até um dos banheiros.

Quando saiu, caminhou até onde estava sendo servida a comida. Os uniformizados abriram caminho. Oliver teve sua bandeja repleta. Sentou-se ali perto e comeu, enquanto Hamsher e Marbur permaneciam na sala, entre ansiosos e preocupados.

— Tudo isso pode ter sido uma farsa — disse Hamsher, com um suspiro indefinido.

— Bakou está na escuta, pronto para checar as informações. Saberemos numa questão de minutos. Todos os postos de informações da Europa, Ásia e África estão a postos. Não sabemos quais os caminhos desse sistema de informação, mas estaremos preparados para rastreá-lo — disse Marbur.

Oliver, afinal, terminou de comer. Parecia satisfeito, apesar de fisicamente péssimo. Ingeriu mais duas daquelas pílulas estimulantes, depois foi até a sala do computador.

— Creio que estamos prontos para o que desejam — disse, sentando-se diante do computador.

Retirou um papel do bolso. Era a chave que Marbur lhe entregara na noite anterior. O suor começou a escorrer em seu rosto, realçando seu aspecto doentio. Acionou algumas chaves no painel, tentando a conexão com os satélites. Não obteve resposta na primeira tentativa. Marbur e Hamsher se mexeram, inquietos. Oliver aguardou alguns instantes, depois voltou a acionar as chaves, aguardando. O silêncio era quebrado apenas pelo leve zumbido do aparelho. Marbur e Hamsher mal respiravam. Oliver continuava transpirando. Entrelaçou as mãos atrás da nuca e reclinou-se na cadeira, olhando sempre o visor. O leve zumbido se transformou num martelar ritmado. O visor forneceu a informação. A conexão esta pronta. Oliver estremeceu. Os dois homens atrás dele também começaram a suar, apesar da temperatura ambiente não ter sido alterada. Por momentos Oliver se manteve imóvel. Depois olhou o papel que pusera no suporte ao lado e começou a digitar.

— Gostaria que Hanz estivesse aqui — murmurou Hamsher.

— Estou certo que Oliver o fará — assegurou Marbur.

— Apenas para sabermos o que ele está fazendo a cada minuto — explicou o outro.

A mensagem fora iniciada. Tudo em seguida se resumiu em sequências de movimentos de mão de Oliver, seguidas de intervalos de imobilidade, quando, então, cravava seus olhos no visor. Oliver parecia satisfeito com o andamento do projeto. O computador funcionava a contento. A conexão com Female fora efetivada.

O momento crucial parecia se aproximar. Oliver hesitou por instantes, depois iniciou um comando de transferência de numerário. Dois milhões de dólares foram movimentados para serem creditados na conta do espião americano a serviço na Rússia. Female efetuou a conexão automática com o National Bank, ordenando a transferência. O computador do National confirmou a existência de fundos e transferiu a importância para o computador do Richemond Bank, na Suíça, que, logo após, confirmou o recebimento do numerário para crédito numa conta numerada. A etapa inicial havia sido cumprida. Oliver se voltou para os dois homens atrás de si.

— Acabo de transferir certa importância para a conta do espião...

— Está tudo escrito nisso aí? — indagou Hamsher, desconfiado e confuso, observando a sequencia sem nexo de caracteres acumulados no visor.

— Sim, está tudo em código. Estou habituado a ele e a interpretação é imediata. Female só trabalha assim. Vou, agora, acionar o computador do Richemond Bank para solicitar uma consulta e indagar-lhe sobre a rotina de aviso ao destinatário. Como se trata de uma consulta meramente bancária, agora, vocês verão a resposta numa linguagem acessível — informou Oliver.

— Uma linguagem que possamos entender — resmungou Hamsher, como se aquilo fosse realmente uma boa ideia.

Oliver concentrou-se no teclado. Datilografou alguns caracteres e aguardou. Após alguns instantes de silêncio, quando a expectativa de Hamsher e Marbur podia ser sentida e palpada, as teclas do aparelho começaram a se mover e a mensagem foi surgindo no visor:

— RPT CONSULTA 0796 — ROTINA DE COMUNICAÇÃO — MSG HOTEL WIEN BUDAORSI UT 88 BUDAPESTE A/C ONUSZ ZOLTAN... CONEXÃO HOTEL LENINGRASKAYA MOSCOU URSS A/C PETRO BORISTPOV... CONTATO DIÁRIO RUSSPY SORBONY... HAVERÁ ALTERAÇÃO???

Oliver digitou em resposta:

— Ok, checando rotina!!!

Oliver apontou para o visor.

— Era isso que desejavam?

— Sim.

O americano comprimiu alguns botões. Um pedaço de papel se projetou por uma fenda. Oliver destacou-o e estendeu-o a Hamsher.

— Está tudo aí. Seu espião fará contato com o receptador provavelmente amanhã cedo, na Praça do Kremlin, diante da catedral. Iniciando a perseguição pelo Hotel Leningraskaya, será fácil apanhá-lo. Fiz minha parte. Espero que cumpram a promessa.

Marbur retornara do telefone e entregava de volta a Hamsher a cópia da mensagem. Hamsher dobrou-a e guardou-a no bolso.

— Marbur providenciará tudo para você — disse, retirando-se da sala de vidro e do armazém.

Oliver ficou diante de Marbur, que o olhou demoradamente. Havia uma espécie de piedade no rosto do alemão e, ao mesmo tempo, certo asco despertado pela visão de um traidor.

— Antes de mais nada, creio que você precisa de um pouco de descanso, Oliver, enquanto checamos suas informações. Saiu-se bem,muito bem mesmo. Nós lhe seremos gratos. Gostaria de levá-lo, agora, a um dos melhores hotéis de Berlim Oriental. Você descansará até a noite, enquanto providenciamos o dinheiro e as identidades. Depois o levaremos a Berlim Ocidental, onde poderá se encontrar com a sua querida Arabell. Tudo será providenciado para que nada os perturbe. Cortesia do Kremlin — finalizou o aliado russo, esboçando um sorriso enigmático.    

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora