A RÉPLICA

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Na sala ampla, com apenas a mesa ao centro e janelas bloqueadas com traves de madeira cruzadas, Bakou caminhava de um lado para outro, pensativo. Kurt parecia entusiasmado com os resultados preliminares que poderiam levar ao sucesso. Isso, por seu turno, seria um importante registro em sua ficha pessoal. Ao ver a expressão de Bakou, que caminhara até a mesa e se sentara, Kurt demonstrou preocupações. Sentou-se em frente ao agente russo.

— O que o preocupa, Bakou? — indagou.

— Fácil demais, Kurt. Fácil demais. Temos uma equipe pronta. Psicólogos, especialistas em drogas, um médico treinado e ele nos entrega tudo de imediato sem nenhuma resistência.

— E isso o preocupa? — perguntou Kurt, aparentemente surpreso.

— Sim, isso me preocupa. Já participei de interrogatórios preliminares antes. Jamais vi alguém se submeter tão facilmente...

— Temos que considerar que Oliver não um agente treinado para resistir. É um burocrata apenas.

— A função dele exige treinamento especial. Não posso conceber alguém com um cargo tão importante sem qualquer tipo de treinamento antiespionagem.

— Você exagera, Bakou. Está habituado a lidar com agentes treinados. Oliver é um homem sem resistência. Fez o que qualquer homem comum faria em seu lugar. As ameaças o assustaram.

— Gostaria de submetê-lo aos especialistas. Um pouco da droga certa e alguma habilidade arrancariam dele a confirmação.

— Não temos tempo, você sabe disso. Nós o pressionamos, ele cedeu. Temos outros preparativos a serem considerados. Oliver Clark não tem substâncias nem aparência de agente especial. O que pensa fazer, então?

Bakou não respondeu. Foi até a sala onde estava a aparelhagem de rádio e o telefone. Discou um número e falou umas poucas palavras. Desligou em seguida e retornou à sala onde Kurt o esperava para olhá-lo como se o criticasse. Menos de meia hora mais tarde, ouviram o ruído de um carro que estacionava diante do prédio. Kurt foi até a porta e espreitou. Abriu-a parcialmente para dar passagem a um pequeno cortejo. À frente vinha Marbur, seguido de Hamsher e outros três homens de aparência sinistra.

— Qual é o problema, afinal? — indagou Hamsher. — Nós os ouvimos — adiantou.

— Eu não sei... Foi fácil demais — hesitou Bakou, como se ainda não tivesse definido suas suspeitas.

— Vamos, Bakou! Nosso tempo é escasso, precisamos nos apressar. O que tem em mente, afinal? Suspeita de alguma coisa? — insistiu Hamsher.

— Sim, acho que ele está fazendo um jogo... Há qualquer coisa de inconsistente nele...

— Está sugerindo que deveríamos entregá-lo aos especialistas?

— Sim, seria prudente confirmar tudo o que ele falou — ponderou o russo.

Hamsher meditou por instantes, depois se voltou para um dos homens que o haviam acompanhado.

— O que me diz, doutor?

A testa de Johan Stefanie vincou-se e ele se voltou para Bakou, observando o rosto sombrio do agente especial. Conheciam-se. Haviam participado juntos de missões semelhantes. Johan sabia que Bakou tinha um faro especial, uma espécie de sexto sentido, embora jamais se ativesse a isso como decisivo para qualquer decisão.

— Pelo que ouvi, Oliver Clark é um homem frágil, sensível e assustado, disposto a colaborar. Se o pressionarmos, ele pode bloquear-se inconscientemente. Teríamos de usar drogas. Talvez confirmássemos sua história ou descobríssemos a verdade de que suspeita Bakou. O certo, porém, é que Oliver Clark, depois disso, ficaria imprestável por alguns dias, até se ver livre totalmente dos efeitos residuais da droga. Não poderia colaborar, portanto, na outra parte do plano. Ao ouvir isso, Bakou encarou Hamsher como que o recriminando.

— Achei que eles deveriam saber quais são os nossos objetivos — antecipou-se Hamsher. — E agora, o que tem a dizer? Acreditamos nele e seguimos em frente ou nos arriscamos a perder a oportunidade? Se confiarmos nele, teremos outras maneiras de corroborar sua historia no desenrolar de seu trabalho.

— A decisão é sua — disse o agente, caminhando até a porta que conduzia ao aposento onde Oliver se encontrava aprisionado.

— Vamos confiar. Vá lá e diga a ele o que terá de fazer para que acreditemos nele! — ordenou Hamsher.

Bakou parecia esperar essa ordem, pois destrancou a porta e empurrou-a. A lâmpada estava acesa. Oliver dormia. O russo se aproximou e tocou-o no ombro. Kurt entrou também e empurrou a porta, o bastante para tapar de Oliver a visão dos homens lá fora.

— O que foi? — indagou Oliver, abrindo os olhos e sentando-se num sobressalto.

— Estivemos pensando no que nos disse, Oliver. É tudo tão fantástico... Sabemos que pode ser possível, mas temos razões para crer que você está nos mentindo, ocultando informações que nos são importantes.

— Mas eu disse tudo — balbuciou o prisioneiro, aturdido e sonolento.

— Precisamos nos certificar disso.

— Quer dizer que ainda não vão me deixar sair? — indagou o americano, com desespero nos olhos injetados e inquietos.

— Eu não disse isso. Vai depender de você. Queremos que nos ajude a confiar em você. Que tal nos ajudar a montar uma réplica de Female. Acha isso possível?

A surpresa estampou-se no rosto do americano.

— Vocês... Não, não vejo ligação com... Por quê? — gaguejou confuso.

— É apenas um modo de nos certificarmos de que tudo que nos disse é verdade. Vai nos ajudar a montar o computador. Sabemos que tem condições para isso. Você nos ensina como programá-lo e...

— Programá-lo para quê? — cortou-o Oliver, cheio de suspeitas.

— Programá-lo, Oliver — respondeu apenas o russo, persuasivamente.

O americano cobriu o rosto com as mãos. Era visível sua confusão interior. Kurt se adiantou e olhou-o ameaçadoramente. Oliver descobriu os olhos. Estremeceu, retraindo-se.

— Está bem — disse num fio de voz.

— Vamos lhe trazer lápis e papel. Você vai relacionar tudo que precisará para isso. Acha que pode se lembrar?

— Sim... Sim, claro! — confirmou Oliver.

Bakou ia se retirar. Em seu rosto era visível uma suspeita. Voltou. Abaixou-se diante de Oliver e fitou-o nos olhos. Oliver sustentou o olhar, desafiando-o abertamente. Bakou se ergueu. Não estava convencido ou satisfeito.

— Descanse, Oliver! Você vai ter muito trabalho — falou o russo, retirando-se com Kurt.

Quando a porta se fechou, Oliver voltou a sedeitar e era um homem inexplicavelmente tranquilo demais para a perigosasituação que vivia.    

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora