O HOMEM DO DESERTO

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Pouco se sabia sobre um homem chamado Trianon, a não ser que era um agente especial e morava em algum ponto do Arizona, numa fazenda afastada, praticamente sem vizinhos. Diziam que ele possuía uma motocicleta Jerkins especial, sob encomenda, própria para a areia e treinava tiro ao alvo quase que diariamente. Comentavam, no CIR, que ele mantinha um ajudante japonês, com o qual se exercitava nas artes marciais e que mandara fazer, para seu uso especial, uma pequena maleta cheia de truques, que seguramente desafiava a imaginação do próprio criador de James Bond. As secretárias comentavam que sua casa era toda eletrônica e que um batalhão de mulheres o servia, proporcionando-lhe inúmeros e inenarráveis prazeres. Os homens mais invejosos do Departamento o chamavam de bêbado. Seus superiores o respeitavam. Todos o temiam. Ele jamais falhara.

Trianon era um homem misterioso e introvertido, que criava cactos numa cabana perdida no deserto, a cinquenta milhas do povoado mais próximo. Possuía, na verdade, uma Kawasaki 500, que comprara de segunda mão. Um velho gerador funcionava diuturnamente, fornecendo energia. Na sala confusa da cabana havia um radiotransmissor e uma geladeira. No alpendre, pendurado num prego enferrujado, um rádio de pilhas tocava música caipira. Sentado numa velha cadeira de balanço, Trianon terminava de beber a garrafa, depois a atirava para longe. Sacava sua arma e disparava, arrebentando-a, depois voltava para o interior da cabana e apanhava outra. Essa rotina se repetia ininterruptamente. Sua barba crescia. Sua pele amarelava-se. Seus olhos viviam constantemente injetados. Era como uma sombra, alimentado apenas pelo desejo extravagante de beber e arrebentar garrafas.

Media em torno de um metro e sessenta e cinco. Os cabelos lisos, caídos para frente, começavam a rarear no alto da cabeça. Parecia magro e fraco, mas músculos definidos se torciam sob sua pele. Seus olhos eram acinzentados. O nariz era adunco, como o do índio de madeira da propaganda de charutos. Suas orelhas eram miúdas, mas os ouvidos eram aguçados ao extremo. Sua boca era ligeiramente retorcida para a esquerda, como se ele vivesse constantemente crispando-a com nojo de algumas coisas. Seus lábios grossos inchavam-se pelo excesso de bebida e pela falta de uma alimentação adequada. Ninguém sabia sobre sua vida, mesmo seu superior imediato. Sabiam apenas que bastava acionar um prefixo de rádio e em breve ele estaria em Washington, pronto para entrar em ação.

Trianon era um agente interno, com a missão especifica de investigar o desaparecimento de prioridades de intervalo cinco. Quando acionado, aguardava três dias para se apresentar. Casos aconteciam de a prioridade ter perdido o cartão ou, por um problema qualquer de trânsito, ter ficado retido num aeroporto ou outro local, impossibilitado de se apresentar à embaixada ou posto de segurança. Durante os três dias que se seguiam ao alerta do desaparecimento, Trianon mudava radicalmente seu modo de vida. Se antes disso chegasse um cancelamento de alerta, ele retornava à rotina e à bebida. E se o alerta fosse confirmado, estava pronto.

A força muscular de Trianon era espantosa, considerando seu tipo físico quase franzino. Ninguém sabia como era seu treinamento pessoal. Muitos o atribuíam ao pseudoauxiliar japonês, que o treinava. Ninguém jamais vira, porém, aquela figura estranha, correndo pelo deserto, quase o dia todo, vestindo uma roupa esquisita e pesada. Trianon a criara especialmente para si, costurando a lona dupla, preenchendo os espaços vazios com areia. Era como um acolchoado maciço que ele vestia e carregava em longas caminhadas pelo deserto, após haver se encharcado de água. O peso era brutal e o calor infernal derretia até a última grama de gordura acumulada durante a beberagem. Os músculos reagiam fantasticamente, suportando o peso e o excesso que chegava ao exagero. Em dois dias ele recuperava o condicionamento físico. No terceiro dia, exercitava-se nos diversos aparelhos que improvisara no velho celeiro. Era um homem novo, quando tomava a moto e rumava para Williams, onde um helicóptero o esperava para levá-lo dali para Washington. No quarto dia, pela manhã, quando o Cel. Foster chegasse para seu expediente diário, Trianon estaria a sua espera, sentado diante da secretária, que devoraria com olhares intrigantes aquele estranho exemplar do sexo masculino, sem idade definida.

* * *

Em Colônia, Kurt efetuara uma ligação e falara com Marbur. Feito isso, tratou de providenciar imediatamente o necessário para a viagem. Retornou ao quarto onde estava Oliver Clark, adormecido sob os efeitos do tranquilizante. Retirou-lhe a mordaça de esparadrapo e acomodou-o na cabeceira da cama. Observou-o, olhando-o de frente. Aproximou-se e esbofeteou-lhe o rosto diversas vezes. Oliver abriu os olhos num sobressalto. Kurt alisou-lhe os cabelos e recuou, apanhando uma câmara fotográfica.

— Oliver Clark! — chamou.

O americano levantou a cabeça e foi ofuscadopelo brilho da luz. Apertou os olhos com força e abriu a boca, movendo-a comose tentasse falar. A sensação exata que deve ter sentido foi a de se ver numacena de câmara lenta e sua voz demorasse uma eternidade para chegar aos lábios.Era esse um dos efeitos do Nevral 50. Observando-o, Kurt teve a impressão deassistir a um filme onde houvera uma falha na dublagem e a personagemfocalizada movia os lábios muito antes de o sim de sua voz tornar-se audível.Antes que isso acontecesse, voltou a amordaçá-lo com esparadrapo e a acomodá-lona cama. Depois tratou de verificar a foto que acabara de fazer. Destacou opapel protetor e observou o resultado. A foto estava perfeita. Havia umcortador embutido na própria câmara e ele cotou a foto até o tamanho adequado,medindo-a pela graduação existente no suporte do cortador. Retirou, então, dobolso um passaporte. Na folha de identificação havia todas as anotações necessárias,mas nenhuma foto. Kurt tinha todo o material necessário. Colou a foto no localindicado, depois apôs os carimbos necessários. Oliver Clark era, agora, HelmutStrasse, um oficial do exército da República Democrática Alemã, com um graveproblema de saúde, sendo levado às pressas para casa. 

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora