O RELATÓRIO FINAL

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Sentado diante do general e de outros oficiais do Departamento de Defesa, Trianon iniciava seu relatório verbal a respeito do caso Oliver Clark.

— Oliver Clark foi um traidor. Já o matei. Seu plano foi perfeito e seu grande mérito foi ter feito os russos de palhaços. Era inteligente, muito mais do que possam imaginar, e se preparou conscientemente, premeditando o plano. Era um homem de bom gosto e talvez se ressentisse de melhores condições para revelar isso. Apossar-se de dois milhões de dólares do governo americano lhe pareceu algo fácil, suponho, e ele provou isso. Inicialmente preparou Female, conectando-o ao computador da Universidade, a que teve acesso fácil. Sabotou-o e se prontificou a refazer a programação. Preparou, então, os dois computadores para agirem a seu comando. Transmitiu uma mensagem de sua viagem num código ultrapassado, usando o computador da Universidade. Esse código, penso eu, era do conhecimento dos russos e Oliver Clark sabia disso. Num dia propício, onde a ineficácia ou conivência de alguns de nossos homens facilitou-lhe a execução do plano, transmitiu a mensagem para que ela chegasse ao conhecimento dos russos. Oliver estava preparado, então, para ser apanhado e forçado pelos russos a trabalhar para eles. Havia um espião nosso entre os russos, burlando-lhes os planos das melhores armas estratégicas e frustrando-lhes os planos de uma supremacia nesse campo. Oliver usou isso como isca. A mensagem seguramente os intrigou. Investigaram, o que nós também teríamos feito, descobrindo quem era ele e o que fazia. A ideia de usá-lo deve ter surgido naturalmente. Oliver foi apanhado e cooperou. Não sei dizer se foi torturado ou não, mas também estava preparado para isso. Atingiu um salto grau de controle físico e mental praticando ioga. Isso poderá ser comprovado com as declarações de seu mestre. Os russos, então, providenciaram instalações para que ele pudesse agir, entregando-lhe todo o material de que ele necessitava para seu próprio beneficio, não importava o fato de que isso pudesse custar uma ou mais vidas. Profundo conhecedor do assunto, dotado de memória prodigiosa, ele obteve uma conexão com o computador da Universidade, que havia sido preparada para operar Female. Uma revisão minuciosa da programação dos dois computadores seguramente comprovará isso. Restava-lhe, porém, um problema e esse Oliver entregou aos russos, que o resolveram sem muita dificuldade, creio. Como estivesse de férias, Oliver não poderia operar Female de modo algum, a menos que soubesse a chave de segurança operacional, criada pessoalmente por seu substituto, o operador George Staford. Graças a sua discrição e seu interesse por mulheres, principalmente louras espetaculares, essa chave de segurança tornou-se do conhecimento dos russos, que a forneceram a Oliver para que efetuasse a transferência de dois milhões de dólares para uma conta numerada no Richemond Bank. Ao mesmo tempo, forneceu aos russos a informação que eles desejavam sobre nosso espião. Não sei que tipo de acordo fizeram com ele, soltando-o ao final. Procurei, então, o agente russo que suspeitava haver chefiado toda a operação. Encontrei-o em Varsóvia. Ele me informou o paradeiro de Oliver. Procurei inicialmente em Zurique, nas clínicas de repouso, mas o complexo esquema de segurança deles me prejudicou. A pista, então, era o Richemond Bank. Eu tinha o número da conta, mas não o nome. Arrisquei, então, a nova identidade que me fora informada por Bakou, o agente russo. Oliver na certa deveria ter posto seu novo nome na conta. Acertei em cheio. Com essas informações pude solicitar um extrato da conta. Um saque de cem mil dólares já havia sido feito. O endereço para correspondência anotado no extrato era de um chalé, no Lago Leman, para onde me dirigi, após me informar com o banco o que deveria ser feito para se obter uma transferência de numerário de uma conta para outra. No caso, da conta de Oliver Clark para uma conta que abri em nome do governo americano. Recebi os formulários. Preenchi-os com a importância de um milhão e novecentos mil dólares, saldo da conta de Oliver, e levei para que ele assinasse, juntamente com uma confissão que eu preparara, segundo o que descobrira em minhas investigações. Oliver assinou tudo. Eu o matei em seguida. Está tudo em meu relatório escrito, inclusive outros detalhes e algumas sugestões para uma revisão geral nos dispositivos de segurança do pessoal especializado e de interesse nacional. Há muitas falhas e muitos riscos. Anotei os nomes das pessoas diretamente envolvidas que, com sua omissão, negligência, incapacidade, ou, o que é pior, conivência permitiram que isso acontecesse e que uma lacuna fosse aberta em nosso sistema de defesa. Quanto a Oliver Clark, reconheço que foi uma jogada arriscada, altamente perigosa e desesperada. Poderia ter sido morto, mas tinha dois milhões a lucrar, talvez mais, se o quisesse. Ele não hesitou, penso eu. Foi um tiro no escuro que acertou em cheio um bando de patos russos. A seu crédito, repito, devemos apenas o fato de ter zombado da Primeira Divisão da KGB como ninguém jamais o fez antes.

Trianon ergueu-se. Deixou a pasta sobre a mesa e se retirou. Talvez pensasse em sua moto, nas garrafas que esvaziaria e arrebentaria, em alguma música caipira, numa certa garota do Saint James Club ou, então, não pensasse absolutamente em nada.

FIM    

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora