SEQUESTRO

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Uma chuva miúda e fria caía sobre a cidade, quando o carro estacionou num ponto qualquer da Zeppelin Alle, defronte do Palmen Garten. Um casal atravessou rapidamente a calçada, cobertos pelo sobretudo do homem. Galgaram alguns degraus de um prédio de tijolos aparentes, de apenas três andares. Junto à porta, a garota revirou a bolsa à procura da chave. Entraram logo em seguida e fecharam-na atrás de si, no momento em que um táxi estacionava na rua e um homem descia apressadamente. Oliver e Ellis Weber atravessaram um pequeno hall, junto à portaria vazia àquela hora, e rumaram até a escada que os conduziu ao primeiro andar. Ali dobraram à direita e caminharam rapidamente pelo corredor. Ellis abriu, então, a porta do apartamento 1-D e entraram. As luzes se acenderam.

— Um belo apartamento! — comentou ele, examinando os móveis, as paredes e as cortinas, tudo com um toque feminino inconfundível onde os matizes do rosa e do azul se mesclavam com bom gosto.

Um enorme sofá, coberto de almofadas, estava posicionado estrategicamente diante da lareira, sobre cuja cornija se viam algumas garrafas de vinho e uma de uísque, junto de uma porção daquelas miniaturas distribuídas nos aviões.

Oliver tratou de acender a lareira, depois de retirar o sobretudo e o paletó, dobrando as mangas da camisa. Ellis desapareceu por uma porta, de onde retornou, pouco depois, com um prático roupão preso à cintura por um cordão de tecido. Trazia uma toalha e esfregava os cabelos, embora não os tivesse molhado tanto quando correram do Express Cabaret até o carro que Oliver alugara naquela manhã. Ela retocara o batom dos lábios e estava descalça. Esse detalhe excitou Oliver, que fixou seu olhar nos pés delicados da garota. Ellis sorriu e atravessou a sala, indo até a cozinha. Abriu um armário sobre a geladeira e retirou um pacote. Por algum tempo ouviu-se o ruído de pratos e o inconfundível barulho de uma faca terminando de cortar e batendo na louça.

O fogo se acendera com facilidade. Havia um piloto a gás que foi acionado e as chamas crepitaram, lambendo a casca rugosa de um tronco parcialmente chamuscado. Ellis retornou da cozinha e depositou uma bandeja com pedaços de queijo e pão de centeio cortado em fatias pequenas. Apanhou, depois, uma garrafa de vinho sobre a cornija da lareira e, antes que começasse a abri-la, Oliver se antecipou, tomando-a delicadamente de suas mãos e a desarolhando. Ela estendeu-lhe dois copos que foram servidos. Deixou a garrafa junto à bandeja e se sentaram no tapete, apoiando as costas no sofá.

— Com as almofadas vai ficar mais confortável — Ellis disse, derrubando duas ou três sobre ele.

— Sim, claro — concordou com um sorriso, acomodando-se melhor.

Suspirou. Fora um dia inesquecível. Haviam almoçado no Kupperfane, um restaurante sofisticado e caro. Depois haviam visitado a Hauptwache, onde se localizam as maiores lojas da cidade. Ali Oliver comprara um presente para Ellis: uma cara embalagem importada da essência Newa para mulheres, que ela apreciara muito e que estava usado agora.

Rodaram pela cidade durante o resto da tarde. Jantaram em Sachsen Hausen, provando o recomendado Appelwool, o delicioso vinho de maçãs alemão. Terminaram a visita à cidade no Express Cabaret, mas a noite realmente começava, para os dois, naquele momento.

A chuva batia na janela e escorria em pequenos filetes que desapareciam nos reflexos da luz que vinha da rua. O fogo crepitava e, com as luzes apagadas, provocava um jogo de sombras sugestivas em seus rostos e corpos. O calor do vinho prometia emoções intensas, já que, durante toda a tarde e parte da noite, uma insinuante tensão erótica brotara e crescera neles a cada olhar trocado, em cada roçar de seus corpos.

Lá fora a cidade corria apressada sob a chuva. Diante do prédio, um homem se ocultava sob uma marquise, olhando a janela parcialmente iluminada, com reflexos avermelhados que indicavam uma lareira acesa. Kurt Stadt apertou a gola do sobretudo ao redor do pescoço e afundou ainda mais o chapéu na cabeça. Possivelmente pegaria uma pneumonia e isso, no início de sua carreira de contraespião, seria prosaico demais. Recebera um treinamento rigoroso. Enfrentara condições subumanas de vida, nos testes de sobrevivência. Tudo, porém, continha certa dose de emoção e aventura, como a passagem para um mundo novo e movimentado. Ninguém, porém, jamais lhe dissera que um espião, por força de seu trabalho, teria de ficar imóvel sob uma marquise, numa noite de chuva, observando o trânsito e uma janela parcialmente iluminada.

NO TEMPO DA GUERRA FRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora