A escolhida

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Ao final de cada espetáculo, o sr. Devis, o "domador", ia até a minha jaula, trocava a água e limpava a gaiola. Em seguida nós costumávamos treinar. No início ele tentou me forçar a fazer alguns truques diferentes, mas eu me recusava a fazê-los. Então ele desistiu e nos mantivemos nos truques básicos.

Apesar de ser um bom tratador, o senhor Deivis e eu não éramos "amigos". Eu já havia percebido que ele gostava de brincar com os cães e costuma conversar com eles, mas comigo não. Já o ouvi dizendo que preferia trabalhar com cavalos do que com um tigre. Isto não me magoava, mas eu sentia falta de alguém que conversasse comigo.

Naquela tarde, ouvi, sem interesse, quando os portões do galpão se abriram. Já esperava pelo senhor Deivis, que provavelmente vinha me dar minhas vitaminas diárias. Eu estava deitado, de costas para o portão, pois havia muito sol e a luz estava irritando minha visão. Foi então que ouvi o senhor Deivis dizer:

— Kelsey, quero que conheça Dhiren. Venha aqui. Vou lhe mostrar uma coisa.

Ao sentir que se aproximavam da minha gaiola, levantei a cabeça, curioso, imaginando tratar-se da nova funcionária. No momento em que meus olhos encontraram os dela, senti novamente aquele aperto no meu coração, como se algo tivesse sido ligado dentro de mim.

Ela tinha os olhos castanhos, tão expressivos, e também me olhou nos olhos. Por alguns segundo permanecemos assim.

Parecia que ela podia me enxergar por dentro. Parecia que ela me via como eu realmente era. Deve ter sido apenas impressão, mas naquele momento, era como se o homem estivesse tentando rasgar a pele do tigre e sair, mas sem sucesso.

Então, a menina engoliu em seco e desviou o olhar. Não sei o que houve, mas ela pareceu ter se entristecido.

Em seguida, o senhor Deivis colocou as vitaminas em minha jaula e então disse à Kelsey que ela deveria buscar minha comida, dando-lhe as devidas instruções.

Enquanto ele falava, olhei para a garota e percebi o quanto ela era frágil e linda. A pele tão clara e os olhos castanhos, davam a impressão de que ela precisava ser protegida.

Imaginei que ela ficaria com medo e pediria para ter outra função ao invés de me alimentar. Mas para minha surpresa, ela agarrou a alça do carrinho e respondeu, enquanto saia do prédio:


— Sem problema.

Ela retornou pouco tempo depois e entregou a carne ao senhor Deivis.

Eu não conseguia parar de olhar para ela. Ela era tão bonita. E pareceu estar interessada em mim, já que fez várias perguntas a meu respeito ao senhor Deivis.

Quando ela perguntou se eu era macho ou fêmea, fiquei ofendido e rosnei baixinho. Ela me ouviu.

Os dois continuaram conversando enquanto eu comia. Resolvi não me agarrar muito à esperança, pois Kelsey provavelmente iria embora dali a pouco tempo.

Após o almoço, começamos a treinar e Kelsey manteve-se por perto. Eu tentei não parecer empolgado com a presença dela, mas eu realmente estava feliz por ela ter ficado. Não sei porque, mas algo naquela garota me fazia sentir humano novamente.

A Maldição do tigre - POV RenOnde histórias criam vida. Descubra agora