Extra: 25 de dezembro

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Por mais um ano, passaríamos a véspera de Natal juntos. Só eu e meu Yuratchka.

Comecei a preparar a comida para nossa pequena ceia de Natal. Eu a prepararia como sempre, à moda tradicional cristã. Muito embora minha criação ortodoxa russa não tivesse me dado a oportunidade de comemorar com minha família, eu queria ter certeza que meu neto tivesse todos os momentos felizes possíveis em sua infância que havia sido mais do que sofrida.

Temperando o peru como prato principal, não poderia deixar de fazer meu combinado de frutas secas. Era o que o pequeno mais gostava. E ainda assim eu não entendia como uma criança de 6 anos conseguia ser tão amável e tão teimosa.

- Vovô! Eu não quero comer passas!

- Mas filho, você adora as frutas secas...

- Não quero passas, quero só as outras.

- Hoje é um dia muito especial, você lembra o motivo?

- É porque é o natal?

- Além do natal, o que comemoramos no dia 25 de dezembro? Você consegue lembrar?

Yura fez que não com a cabeça.

- Dia 25 de dezembro foi o dia em que assinei os papéis da sua adoção.

- E eu virei seu netinho?

- Sim! Foi o dia mais feliz da minha vida!

- Por que, vovô?

- Porque você é o presente que a estrela cadente trouxe para mim.

- O que é a estrela cadente?

- É uma estrela que passa no céu como o risco de um lápis e depois some, como se alguém tivesse apagado com uma borracha. Quando vemos uma, podemos fazer um pedido e ele será realizado.

- E o senhor pediu para eu ser seu neto?

- Eu pedi para que colocasse na minha vida a pessoa que iria me fazer feliz. Então, um tempo depois, eu estava fazendo um trabalho voluntário em um orfanato quando eu vi um menino com os olhos mais bonitos que eu já havia visto.

- Era eu?

- Sim! O pequeno Yuri com olhos de soldado. Eu simplesmente não podia deixar você lá. Então tentei de tudo, entrei com todos os recursos possíveis para conseguir sua adoção. Uma juíza muito bondosa me concedeu ser seu avô para que eu pudesse cuidar de você.

- Mas e a sua família, vovô?

- Minha família estava bem longe de mim. Eles não me queriam porque eu era... Diferente. Então segui meu caminho sem eles. Mas agora eu tenho a você, e você a mim. Nós somos uma família.

Yuri me abraçou com tanta vontade que mesmo eu não querendo, deixei escapar algumas lágrimas. Acabei com aquele clima nostálgico, chamando-o para tomarmos um sorvete naquela tarde quente. Todo o resto já estava preparado: o peru assando, as saladas prontas, as sobremesas na geladeira e os presentes embaixo da árvore. Aquele seria o melhor Natal!

Saímos para a sorveteria que estava muito cheia devido ao calor e às pessoas fazendo compras de Natal nas lojas. Yura adorava ver as decorações e luzes, pois todos os anos desde que o adotei, saímos para admirar o Natal. Nada poderia valer mais do que o seu sorriso e seus olhos brilhando.

Enquanto andávamos, o Sol ia se pondo na direção de casa. O céu variava de amarelo para rosa, passando por azul violáceo até o mais escuro.

- Veja como o céu está bonito hoje, Yura!

Ele olhou para cima e pude ver que estava tão absorto nas cores que sua boca abriu.

- Vamos sentar no banco da praça para ver.

Yuri somente me seguiu e se sentou. Ficou olhando para cima durante vários minutos, enquanto eu observava seu rosto mesmerizado pela visão. Fui arrancado do silêncio quando Yura irrompeu em gritos:

- Vovô! Vovô! Vovô!

- O que houve filho?

Perguntei assustado.

- EU VI A ESTRELA CADENTE!

- Sério, filho?

- Ela estava ali em um momento, riscou o céu como um lápis e depois sumiu!

- Isso é incrível! Faça um pedido, Yuratchka!

Ele fechou os olhos e fez seu pedido silenciosamente. Se não quis dizer em voz alta, não iria perguntar. Seus sentimentos e sua privacidade seriam sempre respeitados.

- Vamos, Yura?

- Vamos, vovô!

Demos as mãos e partimos para nosso lar. Ao chegarmos, nos arrumamos, colocamos músicas natalinas e comemos a ceia juntos, como uma família completa e feliz. Após, fomos abrir os nossos presentes. Yura me deu de presente uma xícara para o chá que sempre tomo antes de dormir e eu dei para ele um exemplar de O Hobbit, o qual, por sinal, ele amou, pois, antes de dormir ficou na cama lendo por um longo tempo.

Me sentindo um pouco cansado pelo longo dia, me sentei em minha cadeira de balanço do lado de fora da casa, tomando meu chá na xícara que ganhei do meu neto.

A vida havia sorrido para mim.

Mesmo com o abandono de uma família tradicional russa, eu era feliz. Mesmo com o fato de que todos que eu amava viraram as costas para mim por eu gostar de alguém que era tão homem quanto eu, eu estava feliz. Mesmo quando esse homem casou e teve uma linda família com uma mulher bondosa e gentil, eu decidi ser feliz.

A estrela cadente me trouxe Yuri, e eu faria o possível e o impossível para que ele fosse feliz também.

- Vovô?

- Yuratchka, você ainda está acordado?

- Eu não quero guardar segredos do senhor.

- O que você quer me contar?

- Sabe... Eu pedi à estrela uma coisa. Mas eu acho que ela não vai me dar porque deve ser errado, já que ninguém na minha turma é assim.

- O que você pediu, meu filho?

- Eu pedi o mesmo que o senhor. Pedi para que a estrela me enviasse a pessoa que ia me fazer feliz.

- Esse é um excelente pedido, Yura.

- Mas tudo bem para a estrela se não for uma menina?

Meu coração disparou. Eu claramente não estava preparado para aquela pergunta.

Se a estrela me trouxe Yuri, foi com um propósito. Eu me prepararia, o prepararia. Meu filho não sofreria o que eu sofri. Não seria rejeitado como eu fui. Ele encontraria a felicidade e a compreensão que a sua família poderia dar.

- A estrela não se importa se é menino ou menina, filho. Tudo o que ela vai trazer é felicidade.

Yura me abraçou pela segunda vez no dia. Os sinos das igrejas próximas tocavam alegremente anunciando que era meia-noite e o Natal havia chegado, trazendo paz na Terra aos homens de boa vontade. E novamente, no dia 25 de dezembro eu teria mais um motivo para seguir sendo feliz.

- Eu te amo, vovô! Feliz Natal!

- Feliz Natal, Yuratchka!

Turn On The Bright Lights (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora