Capítulo dezoito

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Um vento frio me atinge assim que tranco as portas do carro. O cheiro de maresia me dá uma falsa sensação de calmante enquanto caminho até a entrada do Café. Avisto meu pai sentado em uma das cadeiras que ficam quase encostadas perto do vidro da cafeteria, do lado de fora.

Enquanto caminho até ele, uma incomum ansiedade me invade. Mal consigo me lembrar da última vez em que eu realmente tive uma conversa com meu pai. Nós costumávamos ser tão próximos, mas agora... Agora eu mal consigo encará-lo.

Assim que meu pai me avista ele abre um sorriso indecifrável que eu sou incapaz de corresponder, mantendo assim a minha habitual expressão impassível.

- Isabel - ele cumprimenta-me, assim que eu chego perto o suficiente.

- Oi, pai - é o máximo que consigo dizer, mal o olhando, antes de me virar para colocar o blazer atrás da minha cadeira e sentar-me. - Você já pediu? - pergunto, enquanto subo as mangas da minha camisa social.

- Não sei qual é o café de sua preferência. - Sua afirmação soa mais com uma acusação do que com qualquer outra coisa.

Em meu íntimo, sinto vontade de dizer que eu não quero café nenhum. Que só quero me levantar e ir embora, acabando assim de vez com essa atuação ridícula.

- Preto está bom - respondo.

Termina rápido.

Ele faz sinal para que um dos garçons se aproxime e em poucos minutos eu tenho uma xícara de café preto e ele um copo de cappuccino.

Bebo um gole.

- Então? - começo, ansiosa, após colocar minha xícara de volta no pires. - O que o senhor queria falar comigo? - indago, olhando reto.

- Eu falei com Bernardo. Ele me disse que você anda... Distraída.

Pisco uma vez confusa, até que a compreensão me bate.

- É claro - digo mal reconhecendo o tom fanhoso que minha voz adquiriu de repente. - Claro que ele disse. - Começo a beber o meu café em uma velocidade constante, mal me importando se ele está quente.

Trabalho.

Meu pai me chamou aqui para falar total e exclusivamente sobre trabalho.

Não para me perguntar como eu estou, nem para saber da minha saúde. Ele chamou aqui para falar de trabalho, por que está mais que na cara, que pra ele, eu não sou nada além do que uma máquina de fazer dinheiro. Que não descansa que não tira férias; um perfeito robô.

Eu nem sei como devo me sentir. Com raiva? Magoada? Aliviada?

Provavelmente a primeira opção.

- Ele me disse que já faz alguns dias que você não aparece por lá. Não atende ao telefone, não responde mensagens e nem atende o interfone da sua casa.

- Eu tive alguns problemas pessoais - respondo, em um tom duro. - Nada que já não esteja sendo resolvido. Volto ao trabalho amanhã.

Eu nem sei por que ainda acho que as pessoas se importam comigo. Está na cara há muito tempo que eu sou só um estorvo na vida de todo mundo. Aquela que todo mundo...

- Eu fiquei preocupado com você.

... Despreza e... Espera.

- O quê? - o encaro, surpresa.

- Eu fiquei preocupado com você, Isabel. Por isso eu vim até o Rio. Para saber como você está.

Pisco duas, três, quatro vezes, me sentindo completamente confusa.

- Ah - consigo balbuciar.

- Sua mãe, Lídia, até o Leonardo tem perguntado por você - seu tom baixou. Se tornando mais íntimo e até, mas fraternal. Isso fez um aperto se instalar em meu coração.

- Eles estão?

- Estão.

O rostinho de Leonardo vem a minha mente e um sorriso se instala no meu rosto.

- Eu sei que algo está acontecendo, filha. Mas você tem a nós. Tem a sua família. Volte para nós, Isabel.

E pela primeira em muito tempo, alguém disse algo que eu queria desesperadamente ouvir.

...

Paro o carro em frente ao familiar portão de madeira escura. Respiro profundamente e desço; um sorriso triste puxado em meu rosto. Ao me aproximar da casa, um aperto atingi meu coração. O primeiro golpe de rejeição para me impedir de fazer aquilo que eu realmente quero. Conforme eu me aproximo mais, esse aperto só se intensifica. Mas incapaz, mas fraca e mais indesejada eu me sinto, até que eu finalmente toco o interfone da casa dela.

- Quem é? - a voz de Lídia é um alívio bem vindo.

- Será que na sua casa cabe espaço para uma irmã idiota e arrependida? - indago com insegurança.

Por um tempo ela não diz nada. Milhares de perguntas começam a serpentear minha cabeça.

'Eu fiz certo em vir até?' 'Será que não é tarde demais?'.

Até que o portão se abre e o seu rosto familiar aparece no meu campo de visão. E todas as minhas dúvidas vão embora.

Eu não digo nada, somente caminho focada até ela. Noto que seu cabelo está mais curto e que ela perdeu alguns quilinhos desde a última vez que a vi. Quando finalmente chego até ela, não digo nada. Encaramo-nos por alguns segundos, nossos olhos dizendo mais que nossas bocas; antes de eu puxá-la para um abraço apertado.

Inspiro forte, sentindo a fragrância refrescante dos seus cabelos, me sentindo, finalmente, como se estivesse em casa outra vez.

- Me perdoa - sussurro. - Eu estou pronta agora.

...

- Cadê o Léo? - pergunto olhando ao redor, já me sentindo ansiosa para rever o pequeno.

- Saiu com o Gus para o aniversário de uma amiguinha da creche - responde, enquanto continua a recolher nossos pratos.

- Eu queria vê-lo.

Sinto vontade de perguntar o porquê ela não foi junto, mas resolvo deixar pra lá.

Um passo de cada de vez.

- Por que você não dorme aqui? Assim você vai poder vê-lo quando chegar - ela vira-se, encarando-me com expectativa.

- Claro. - Tento esconder o quão feliz seu convite me deixou, apesar de estar ciente do quão evidente isto é.

- Certo - ela me responde com um sorriso puxado, voltando a olhar para frente.

- Tenho uma proposta para te fazer - digo, me sentindo um pouco ansiosa, pois eu não tinha ciência do quanto queria ela perto de mim até esse exato momento.

- Desde que não envolva um incesto entre irmãs, por mim tudo bem - zomba.

Eu rio.

- Ridícula.

E nesse simples momento de brincadeira com a minha irmã, tudo parece estar se encaixando novamente e, pela primeira vez em um longo tempo, eu me vejo ansiando pelo amanhã.

- O que você da gente tirar umas férias?

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⏰ Última atualização: Jun 10, 2018 ⏰

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