A Garota do Casaco Vermelho

Capítulo 29

Quando finalmente abro os olhos, tudo ainda está um tanto quanto desfocado. Aospoucos consigo enxergar meu próprio colo. Não consigo mexer as mãos. Estou presa.Presa em uma maldita cadeira. Aos poucos, consigo enxergar o resto do cômodo. Asparedes completamente rachadas parecem ser ocas por dentro. Vejo a silhueta de umhomem e só então me lembro dos últimos episódios que me trouxeram até aqui. E tudocomeça a girar. O sócio segura meus ombros já que, aparentemente, não era apenas aminha cabeça dando voltas. 

- Você pode me chamar de Cal. Isso é tudo o que precisa saber. 

Ele aponta uma pistola para mim. Sei que sou valiosa demais para que ele atire, masainda assim um calafrio percorre meu corpo e pergunto-me onde a garota corajosacorrendo atrás de justiça foi parar. Simplesmente, onde Scarlet foi parar. Não sou nemGlass. Sinto-me fraca, frágil, mas preciso mudar isso. Preciso, primeiramente, sair daquisozinha. Se Nicholas vier atrás de mim ele com certeza poderá ser morto. Katherine seráainda mais abusada. Não quero nenhum dos dois. Por um momento, desejo Evan eSophia. Desejo nossas tardes despretensiosas, mas então me lembro de tudo o que defato havia por trás dos panos, complicações que nunca tinha enxergado e naquelastardes não pareciam existir. Mas sei que apenas eu posso fazer isso. Apenas eu posso irembora. E também sei que, olhando para esse lugar e considerando meu estado, isso équase impossível. Não sou uma super-heroína com superpoderes e superforça. 

Minha boca não está coberta. Não há nenhuma fita adesiva. Ele quer que eu fale. Elequer escutar o máximo possível e depois aumentar a minha recompensa. Imagino asnotícias do jornal. A Garota do Casaco Vermelho foi encontrada. Mas eles não podemrevelar minha identidade. Eles não podem revelar minha identidade. Não. Podem.Revelar. Minha. Identidade. Não. Podem. Revelar. Eu. Não. Sou. Scarlet. Eles. Não.Solto um grito e a pistola fica ainda mais próxima de mim. Ele espera que eu meacalme. 

- O que você quer de mim? 

- Já te disse antes, Scarlet. A polícia procura você há muito tempo e oferece uma grandequantia para quem te entregar. Eles querem você viva e sem machucado algum. Queremvocê sadia para que possam, então, te fazer sofrer, te torturar. Como esse sequestro, aquantia aumenta. Vou ameaçar acabar com você, embora ambos saibamos que não voute machucar. Mas você vai fingir e, se for preciso, vou te fazer gritar. A sua dorpsicológica é muito mais forte que a física. Porque você não sente mais nada. Olhe paraseus pulsos. Eles estão completamente roxos. Você parou pra se preocupar com isso?Não. Porque está surtando. Sorte minha, aliás, vou poder usar isso a meu favor. 

- Por que você precisa de tanto dinheiro? Você tem tudo! As garotas não te geram osuficiente?! 

- Você viu o lugar, pequena Scarlet. Está caindo aos pedaços. Quando seu pai aindaestava vivo, tínhamos várias garotas trabalhando, o dinheiro caia literalmente do teto. Mas as coisas mudaram quando ele morreu e deixou a casa no nome de um novoproprietário que havia pagado um tanto. Ele praticamente se esqueceu de mim. Nãorecebi nada. O meu prêmio de consolo foi aquele maldito casebre e a sua irmã. Os carasantigos continuaram a visitando e pagando uma boa quantia. Mas ela é uma das únicasda casa. Preciso do dinheiro não só para melhorar de vida, mas construir um lugar novo.– vejo o sorriso ambicioso se abrir em seu rosto. 

- E abusar de outras meninas? Elas são garotas inocentes. Vocês dois roubaram ainocência de todas elas. E todos aqueles caras... – minha voz quase não sai.-

 Entendo que queira proteger sua irmã, princesa. Mas ela teve uma escolha. Lembrodas inúmeras vezes que vocês conversaram de madrugada sobre fugir – seus olhosflamejam – pensou que eu não ouvia? Quanta inocência! Mas Katherine nuncaconcordava com seus planos, ela preferia ficar lá. Ela escolheu os roxos, os hematomas,ela escolheu aquela vida. 

- Porque ela tinha medo – grito. 

Cal segura um gravador e pede para que eu continue gritando. É o momento perfeito,ele diz, então disca um número no celular. Ninguém. Pode. Saber. Quem. Sou. Eles.Não. Não. Não. Podem me encontrar. Não. 

- Posso ter encontrado a tal lenda urbana. Sim, estou com a Garota do CasacoVermelho. Tenho certeza. Não, não sei seu nome. Ela não quer informar. Não vouentrega-la por essa quantia. Aumentem o valor. Não?! 

Ele desliga o telefone e olha fixamente para mim. Ele vai arrumar um jeito de fazerem asua vontade. Espremo os olhos, fechando-os com força. 

- Você sabe o que vai acontecer com seu amiguinho se vier tentar te salvar, não?! Elenão precisa estar inteiro para a polícia. É apenas um bônus, vivo ou morto. Katherinevirou um cachorrinho, ela vai ser obrigada a me obedecer. – ele pega o telefonenovamente – Supere, você matou muitas pessoas em busca de justiça. Pode até terconseguido ser bem sucedida. Mas lembra como tudo isso começou? Por causa deKatherine, você matou o seu pai. No fundo, tudo isso foi uma desculpa para fingir queestava fazendo algo de útil, protegendo o mundo da maldade. Que poético, não é?! Umajusticeira da sua idade! Tudo isso para mascarar um único fato: você nunca conseguiusalvar a sua irmã. 

Ele quer que eu grite. Não vou gritar. Não. Vou. Gritar. Vou ficar calada embora todasas vozes estejam dentro da minha cabeça. As últimas palavras de Sophia. A morte de uminocente será paga com a morte do culpado. Evan. Será que ele teria coragem de olharem meus olhos e acabar com minha vida se soubesse que eu sou ela?! O sorriso deIsabelle está bem na frente de meus olhos. Assim como todos aqueles pares de olhosarregalados que agora me encaram. As bocas completamente brancas e sem vida quearrumaram um jeito de se mexer a agora sussurram para mim. Lembra-se do que sentiuquando matou aquelas últimas pessoas? O meu sangue nos seus pés ainda te da prazer? Você não quer esquecer as lembranças, não quer sentir o poder? Vocêstransaram perto de um lago, que cena mais clichê. Pensei que estivesse procurandojustiça. Mas matar é bom, não é?! O que Sophia fez deveria ser pago com a morte?Você não soube separar as coisas. Scarlet, é você? Você deixou os seus princípios paratrás quando aceitou aquele maldito pacto. Não deveria ter descoberto que você sou eu.Não poderia ter me revelado. Você não sabe lidar com a verdade. O cara da cabanaainda lembra de você, heroína. As crianças te veneram. Emma, me desculpe por terestuprado você. Mas Scarlet a salvou. A Garota do Casaco Vermelho a salvou. Entendeagora porque eu não queria que você soubesse? Scar, faz uma trança no meu cabelo?Faz uma trança no meu cabelo?Uma trança no meu cabelo? 

Trança no meu cabelo? 

No meu cabelo? 

Meu cabelo? 

Cabelo? 

Scarlet. Scar. Glass. Mais rápido? Você está sentindo o poder? Scarlet. A Garota docasaco vermelho. 

Não consigo me segurar. Me debato na cadeira e quando vejo já estou gritando. Ohomem bate com as mãos em uma espécie de espelho. Suas mãos sangram e eu abro umsorriso involuntário. Involuntariamente, um prazer me preenche. E paro de gritar. E eledesliga o telefone. Muito bem, garota, bom trabalho, ele diz. E sei, então, que nãodeveria ser salva. Por ninguém e muito menos por mim. Ele deveria estar me cortandocom esses cacos de vidro. Ele deveria estar me torturando. Porque é demais pra mim. Édemais pra mim. Não sei quem sou e nem se quero ser alguém. 

****

-Sou acordada com um pote de água na cara. Sinto-me um pouco mais forte, mas meusolhos vacilam quando vejo o sorriso radiante de Cal. 

- Eles aumentaram o preço. Você será entregue daqui uma hora. Em ótimo estado.Agora não é mais minha responsabilidade. Agradeça-me por ter mantido sua identidadeem segredo. Para sua informação, nunca transei com sua irmã, nem com você. Eu sócuidava dos negócios. Mas poderia mudar isso caso fosse necessário. – ele desamarraminhas mãos. Sabe que não vou conseguir fugir – obrigada pela colaboração, ScarletSummers. 

Nicholas não veio atrás de mim. Katherine está em algum lugar sem saber o que fazer.Evan não sabe quem eu sou. Sophia está morta. Eu matei meu pai, mas também matei pessoas inocentes. Elas se arrependeram, não? Fiz justiça. Você fez justiça. Justiça.Justiça? Justiça.