Capítulo 30

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- Não haverá um julgamento. O juiz já tem uma decisão. Você está presa, ScarletSummers. 

Pena de morte, espero que digam. É claro que não haveria julgamento. A cidade inteirasempre falou sobre a tal lenda viva. Sempre fui um desacato. Um erro. Um crime.Porém, tudo o que fiz foi aquilo que eles não eram capazes de fazer. Justiça. O dinheiroresolve tudo nesse mundo. A polícia paga. O governo ajuda. E não há julgamento.Rápido demais. Rápido demais para que eles possam me ter logo em suas mãos. Sei oque estou prestes a enfrentar. Sei o que eles farão comigo. A pena de morte seriamelhor. 

- Prisão perpétua por homicídio, invasão domiciliar, desacato a autoridade e todos oscrimes citados na sua ficha criminal. Conseguimos confirmar as suspeitas e, de fato,você é a Garota do Casaco Vermelho. Encontramos as provas do crime no sótão de suacasa, em uma abertura secreta. Talvez devesse ser mais inteligente. 

Mas essa pena seria rápida. Querem me manter sob seus olhos e suas amarras pelomaior tempo possível. Para sempre. Ou até surgir coisa melhor. 

- Isso é o que nós devemos dizer. – um segundo policial surge na porta com uma cinta –e isso é por ter desrespeitado o nosso trabalho. Vou explicar uma coisa pra você,garotinha – ele se aproxima – nós não soltamos as pessoas logo depois de presas pornegligência, isso acontece por diversos motivos, seja envolvendo dinheiro ou não.Fazemos o que somos mandados ou o que nos é conveniente. Temos famílias paraalimentar. Não sou mimado como você que não concorda com o modelo corrupto e quermuda-lo. Você nunca conseguiria fazer isso. Agora vai aprender na pior moeda. Secoloque no seu lugar e pense como seria ser julgada como incompetente no própriotrabalho. 

Mas eu fui, penso. Ao deixar meus princípios para trás. Pergunto se muitos dos casosforam justiça ou apenas uma desculpa para o prazer. Não me orgulho de todas asmortes, mas eu as causei. E preciso de mais. 

Grito quando a cinta atinge minhas costas nuas. E de novo. De novo. De novo. Nãoconsigo pensar em nada senão na dor lancinante que se forma a cada instante. E a dornão passa. Chicoteiam minhas costas, meu pescoço, minha barriga. E gritam palavrasque não consigo entender. E tudo gira. 

Já não sinto mais nada. Estou forte, apesar da aparência, preparada para a última sériede chicotadas. Mas ela não acontece. Quando a porta da cela se abre, vejo Nicholas.Katherine está bem atrás dele. O mesmo policial que começou a tortura os acompanha. 

- Parece que cobriram o valor da recompensa. 

É tudo a base de dinheiro. Amizades e amores são comprados. O sentimento é gerado apartir de notas de cem. Assim como a liberdade. E mortes. E justiça. Até mesmo estapode ser comprada. Como fizeram comigo. Agora percebo o quanto fui manipulada.Um saco de batatas jogado de um lado para o outro por uma imensa quantia. Quem pagamais por essa garotinha dissimulada que pensa fazer o certo?! Pergunto-me se aindaestaria presa caso fosse algum tipo de capanga, contratada para matar. Provavelmentenão, não é mesmo? Mas estou aqui. Pergunto-me também o que a mídia fez com minhaimagem. Antes, venerada pela população. As notícias, entretanto, giram o mundo muitorápido. O que eles pensaram quando a grande heroína matou uma garotinha de dozeanos de idade?! 

Nem preciso responder. Em alguns minutos, Nicholas está me segurando por uma dasmãos e me guiando até o carro. Katherine vem logo atrás, mas ela não consegue metocar. Posso ver os hematomas evidentes em seu corpo agora que está completamentesem maquiagem. Ela não quis esconder. Está praticamente nua. 

- As pessoas não pensam mais como você. Parece que não entenderam a minha lista.Você me perguntou um motivo, são motivos que tem a ver com justiça, sim, mas algunsfazem parte da minha vida. Egoísta ou não, você concordou. Isso é tudo o que vocêprecisa saber. Agora, aguente as consequências, precisamos tomar cuidado. Mas vamoscontinuar os serviços, certo? Sua irmã parece uma múmia mas prometeu não contarnada. 

Um estalo surge em minha mente. 

- Onde vocês conseguiram o dinheiro?Katherine morde os lábios e finalmente abre a boca. 

- Juntei de todas as gorjetas que me deram pelo serviço. E fiz mais alguns – ela solta arespiração. 

- Você prometeu que iria cuidar dela – quando percebo, minhas mãos estão em volta dopescoço de Nicholas, ele não consegue respirar. Solto, assustada com meu próprio ato. 

- Eu pedi por isso, Scarlet. Ou sei lá quem você é. – seus olhos estão cheios de angústia,ela não me reconhece – precisava tirar você dali. Eu escolhi não ir embora. Eu escolhicontinuar. Eu escolhi fazer esses serviços pra tirar você de lá. 

- Me desculpa por nunca conseguir ter te salvado de verdade, Katherine. 

- Você me salvou a cada instante, Scarlet – uma lágrima desce – eu só continuo aqui porsua causa. Obrigada por ter se metido em toda essa confusão por minha causa. Eu... essaera a única coisa que eu poderia fazer. Vou ficar quieta, eu prometo. Só acabe com omal no mundo, só continue fazendo o que ninguém faz. 

- Nos últimos tempos eu não sei o que estava fazendo, Katherine, as pessoas tem razão,elas não deveriam mesmo estar do meu lado. 

- Você fez justiça. 

- Eu senti prazer. 

Ela não rebate. 

- Eu gostei de ver o sangue caindo. Uma parte de mim gostou. Eu não posso mais seressa pessoa. Mas também não posso ser Scarlet. Não posso ser ninguém.

Nicholas nos empurra para o carro e eu desabo no colo de Katherine. Preciso descansarpor alguns minutos. Preciso esquecer que minha cabeça está um caos e não consigo mecontrolar. Preciso. De. Um. Tempo. Caímos no sono ali mesmo, com as mãosentrelaçadas, mas quando acordo ela não está mais lá. É Nicholas quem está do meulado. 

- Ela foi embora, não foi? 

Ele assente.Prendo a respiração porque sei exatamente quais são os próximos passos que devotomar. E eles assustam metade de mim. 

- Vá até a casa do Evan, por favor. Eles sabem quem eu sou? 

- Não. Só sabem que você foi encontrada. 

- Enquanto estou lá. Preciso que junte todos os meus casacos vermelhos que encontrar.Fique apenas com um. Encontre-me naquela floresta. 

Consigo vê-la com clareza agora, poderia até desenhar um mapa. 

- Há uma gruta perto da mansão e só me lembrei dela agora. Espere lá – continuo. 

- O que você pretende fazer? 

- Você precisa confiar em mim. 

Mas nem eu confio.

A Garota do Casaco VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora