Capítulo 15

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Poderia imaginar que há um fantasma no quarto, mas é apenas Katherine, abrindo a porta devagar. Surpreendo-me ao ver que carrega um ursinho de pelúcia. Quase bato com a cabeça nas luzes presas na parede. É o mesmo ursinho que ficava em seu colo quando me deixava fazer tranças em seu cabelo. Ela o levava para todos os lugares, dizia ser sua proteção.

Quando minha mãe me trouxe para a casa, minha avó estava esperando na porta. (Dias depois, ela foi internada). Disse algo em voz baixa para minha mãe, não consegui ouvir. Mas entendi quando vi, pela janela, Kath deitada na cama do nosso quarto. Tudo o que senti foi mágoa. Esperei que trouxessem minhas coisas para a sala, mas não conseguia fazer nada. Fiquei apenas olhando para a TV desligada.

Olhei para o lado e vi os dedos de Katherine para fora da coberta, ela estava me chamando. Decidi ignorar. Não podia ser comigo, ela tinha se colocado dentro da bolha, e caso eu entrasse ali, começaria a gritar. Mas ouvi sua voz, fraca, clamando meu nome. Um chamado.

Meu pai estava no trabalho. Na verdade, não conseguia me lembrar da última vez que ele, de fato, esteve presente. Minha mãe e minha avó ocupavam o andar de cima. Deixei tudo em cima da mesa, prendi a respiração e entrei no quarto.

Esperava por gritos, crises. Inclusive apertei os olhos, imaginando a que momento elas viriam me tirar daqui e inventando mil desculpas. Porém, nada disso aconteceu. Ela apertou minha mão.

— Quero que pegue o meu ursinho, por favor – sua voz estava chorosa.

— Onde? – pergunto com cautela.

Kath hesitou antes de falar.

— Papai jogou no lixo da garagem – posso ver as lágrimas brotando –, disse que não tinha mais como me proteger e...

— E?

Sua respiração estava ficando forte e agitada. Saí correndo antes que ela começasse a gritar, mas não perdi suas últimas palavras.

— E espantaria a clientela – murmurou.

Acho que nenhuma de nós sabia o que aquela palavra significava. Simplesmente ignorei, pensei ter ouvido errado. Fui atrás do ursinho e, quando voltei com ele nas mãos, completamente destruído, ela estava dormindo.

— Você lembra quando fazia tranças em mim? – sua voz é quase infantil.

Quando meus olhos encontram com os dela, percebo que todas as máscaras e capas foram deixadas no chão. Como se, por um momento, nada tivesse acontecido e ainda estivéssemos na casa antiga. Pergunto-me o que aconteceria se nunca viéssemos para esta cidade. O que seria se Ela não existisse. No momento, é como se essas perguntas estivessem sendo respondidas.

— Acho que você poderia fazer uma agora.

Só percebo que minhas mãos estão tremendo quando ela se senta ao meu lado, de costas pra mim, e eu afasto seu cabelo. Acendo o abajur e enxergo tudo. Todas as falhas expostas em forma de hematoma. Roxos, azuis, verdes. Faróis coloridos que anunciam a destruição da alma. O motivo de tudo, bem ali, a minha frente. Sei que ela vai contar, e finalmente saberei por que da alienação, o porquê dos gritos e das crises. Pensei estar esperando por esse momento, mas agora tudo o que quero é sair andando. Não quero ouvir, pois sei que nunca serei capaz de curá-la.

— Acho que precisamos conversar sobre meus machucados – exatamente como previ.

— Quem fez isso com você, Kath? – Meus dedos dançam por entre seu cabelo, desenhando uma trança.

A Garota do Casaco VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora