4| Entre drogas e (muitos) pedidos de desculpas.

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    A manhã inteira foi resumida em: a arrumação das minhas coisas, os pedidos de desculpas de Isaac, a escolha das matérias extracurriculares, os pedidos de desculpas de Isaac, a examinada no meu novo material escolar e eu já falei dos malditos p...

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    A manhã inteira foi resumida em: a arrumação das minhas coisas, os pedidos de desculpas de Isaac, a escolha das matérias extracurriculares, os pedidos de desculpas de Isaac, a examinada no meu novo material escolar e eu já falei dos malditos pedidos de desculpas de Isaac? Eu já estava quase ficando sem respostas sarcásticas, frases de efeito e sem paciência quando a tarde enfim chegou e ele e Rafael foram almoçar, me deixando em paz. Eu também deveria estar morrendo de fome, pois não comia desde ontem, mas não estava - estava enjoada (Não, eu não estou grávida). Esses malditos e desgraçados comprimidos sempre me deixavam assim, só os tomava porque isso não era uma opção. Devia ter uns seis ou sete anos quando comecei a tomá-los e desde de então nunca parei — por mais que devesse parar.

    Antes, quando era criança, achava que eles eram algum tipo de bala fabricada por dentistas, porque eles eram amargos e eu odiava dentistas. Hoje em dia eu os vejo meio que como minha salvação, por mais que deteste a ideia de consumir algo recomendado por um homem careca, de trinta e oito anos, que gosta de beber café sem açúcar e ouvir Jazz nas horas vagas.

    Me viro para o outro lado da cama e fico encarando a parede.
Suspiro.
   Por que merda eles tinham que estar justo aqui também?
   Como se já não me bastasse, agora teria que lidar com isso também. Nunca fui do tipo de pessoa que gosta de encarar os próprios problemas, na verdade, prefiro tentar ajudar à resolver os problemas alheios do que os meus.
   O que fazer quando os dois maiores idiotas que entraram na sua vida ressurgem do inferno para te atormentar? Pois é, também estou tentando descobrir o que o fazer, mas, antes disso, tenho que controlar — ou tentar — as minhas emoções antes que elas me levem à uma crise.

    Me sento no beliche rapidamente, e isso piora meu enjôo.
Faço uma careta.
— Porcaria de vida...— resmungo, vasculhando a mochila até encontrar o que estava procurando.

    Pego o cigarro de maconha, o isqueiro e saio do beliche, caminhando até uma janela que só havia reparado há uns cinco minutos atrás.
    Acendi e dei minha primeira tragada. Fazer isso me trouxe uma estranha sensação de paz, como se todos os meus problemas momentaneamente tivessem sidos levados com a fumaça que saia pela janela. Por mais que esse meu papo parecesse de viciado, eu não fumava tão frequentemente assim. Na verdade, só consumia mesmo em certas datas ou quando estava sentindo uma possível crise — como agora. De restante, eu preferia ficar longe das drogas, mas... Há certas raves que merecem umas exceções. Se é que você me entende.

    O som de vozes masculinas me faz voltar à minha fatídica realidade. Isaac e Rafael entram conversando no quarto, mas param ao me ver fumando.
— Perderam alguma coisa? — Isaac faz uma careta, já Rafael me lança um olhar de repreensão.

— Onde você conseguiu isso?— pergunta de uma maneira irritada.

   Ele estava irritado? Eu que devia estar irritada por ser obrigada a respirar o mesmo ar que eles.
— Interessa?!

— Você não deveria fumar essas porcarias — o tom de repreensão que Rafael usou me fez revirar os olhos.

   Dou outra tragada e solto fumaça em sua direção.
— Por quê?

   Ele coça a cabeça, assim como faz todas as vezes em que está sem argumentos.
— É...Porque faz mal! — respondeu como se aquilo resolvesse a questão.

   Fiquei tentada a responder um: “Você também, mas aqui estamos.” Entretanto, apenas murmurei um:
— Eu não me importo — me viro novamente para a janela, os ignorando completamente.

   Do lado de fora da janela, tenho uma visão privilégiada dos jogadores de um dos times do colégio que fazem algum tipo de corrida nos arredores. São uns quinze ou vinte garotos, usando shorts vermelho e uma camiseta branca. Todos com pesos e tamanhos diferentes, entretanto, como na maioria da cidade, a maioria são loiros e pálidos.
    A cidade de San Lorenzo fica concentrada mais ao sul da Alemanha, perto das montanhas geladas. Com isso, temos que conviver com um clima maluco — ora calor, ora chuva, ora neve — e uma porção de gente branquela e oxigenada.

   Após minha última tragada, me viro caminho diretamente para o banheiro. Isaac e Rafael cochicham baixinho no beliche de baixo, os ignoro e sigo meu caminho.
   O banheiro é de longe a única parte não ridícula desse lugar, porque aparentemente, sua decoração simples não foi alterada pelos babacas. As paredes do lugar são todas em um tom de vermelho suave (É, o pessoal daqui entra realmente no espírito da coisa), com pequenos azulejos brancos na parte de baixo e no piso. Em cima da pia bagunçada de mármore, um grande espelho é pregado na parede. Me dirijo até lá.

    Colocando no lixeiro ao lado do vaso sanitário o que restou do meu cigarro, paro enfrente ao espelho, abro a torneira e jogo água no rosto.
    Com o rosto molhado, uma garota ruiva e sardenta de cabelos volumosos e olhos verdes vazios me encara de volta. Antes, quando era só uma garotinha, eu gostava dos meus olhos. Meus grandes e verdes olhos. Os desenhava com frequência tentando de alguma forma passar para o papel um pouco de toda a vida que eles refletiam. Hoje eles são apenas belos olhos. Não possuem vida alguma. Não possuem brilho. São exatamente como eu: belos, porém vazios.

    Saí do banheiro sem me importa de secar o rosto.
   Naquele momento eu queria chorar, mas as lágrimas não vinham. Era estranho, mas fazia algum tempo desde a última vez em que havia chorado.
   Bom.. dizem que apenas os desalmados não tem capacidade de chorar... talvez a maconha já tenha consumido o último vestígio de alma que me restava; ou talvez eu tenha ficado tempo demais sem beber água e esteja apenas desidratada demais para chorar. O fato era que: naquele momento, tudo que eu mais queria era me encolher entre os lençóis, colocar um rock alto nos fones e tentar esquecer do mundo.

— Você está bem? — Isaac pergunta assim que me vê saindo do banheiro.

   Caminho para meu beliche.
— Não finja que se importa —murmuro secamente.

   Ele se levanta e tenta vir na minha direção, mas Rafael o segura pelo pulso e acena negativamente para o mesmo.
   Isaac me lançou um olhar triste; daqueles que costumavam me desmontar.
— Eu não estou fingindo, droga! —sua voz era cansada, mas eu não cedi. Ele podia pensar que um pedido de desculpas resolvia tudo, mas eu não pensava assim. Subi pela pequena escadinha de madeira no meu beliche, e me joguei na cama. Peguei meu celular para ouvir música, mas antes que tivesse tempo de colocar os fones o ouvi sussurrar: — Você pode não acreditar, mas eu não vou desistir de você —sussurrou em uma promessa. E acrescentou: — Não de novo. Eu juro.

Todas as faces de Luna [CONCLUÍDA/EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora