Doutor Dodô, o dodô

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“Eu sinto a dor me tomar e preciso gritar, mas eu sei que a ferida vai fechar”.

Flow.

Tudo que eu fiz durante o caminho da volta foi pensar. Ninguém falou muito depois que saímos da caverna. Tudo estava calmo. Até mesmo a floresta não tinha mais aquele ar pensado, escuro e frio. Quase parecia calma e tranquila, como se finalmente pudesse “baixar a guarda e descansar”.

Pensei em como minha avó tinha conseguido passar por isso sem ficar louca, porque ela sempre contou suas aventuras e tudo parecia extremamente fácil, como se os problemas fosse se resolvendo por si só. Nada naquele lugar parecia fácil. Ou talvez eu tenha uma ideia diferente do que é difícil. Não sei, e isso me irrita profundamente. Detesto não ter respostas para minhas perguntas.

Pensei também em minha família. Como meus primos de Nova York estavam?! Será que sentiam minha falta?! Notaram meu sumiço?! Quanto tempo será que se passou?! Meus pais notaram minha ausência?! Ou será que na verdade não tenha passado nada mais que meros minutos?!

Tantas perguntas... Nenhuma resposta.

Acabamos por acampar perto do lago, bem a “beira” da floresta. Percy tinha uma pequena canoa escondida por folhas na beira do lago e iriamos pela água, para evitar os Engravatados. Não sabíamos se eles estavam atrás de nós, mas não queríamos arriscar. Ainda mais quando tínhamos algo valioso demais para a Rainha Vermelha.

Fiquei deitada na areia, olhando para o céu. Chapeleiro já dormia em um sono profundo e tinha seu rosto tranquilo. Os cabelos escuros estavam sujos de areia e suas roupas estavam rasgadas por conta de tudo que aconteceu, mas ainda estava tão bonito quanto no dia que o conheci na mesa de chá.

As estrelas eram diferentes ali. Fiquei me perguntado como podiam existir estrelas naquele lugar se estava, tecnicamente, no subterrâneo.

Eu caí metros e metros abaixo do chão. Estamos em baixo, certo?!

Elas eram maiores, e tinham brilhos diferentes visíveis aos olhos. Algumas eram azuis, outras roxas, vermelhas, brancas, amarelas... E tantas outras cores; suas constelações também eram diferentes. Tinha coelhos, coroas, corações... Poderia passar a vida olhando para elas.

—No que está pensando?! – Percy perguntou sentando-se perto de mim.

—Como podem existir estrelas aqui se estamos pra baixo da terra?!

Ele riu e olhou para o céu. Não sei no que ficou pensando, mas fiquei olhando para seu rosto, e vi as mudanças sutis em sua aparência. Quando namoramos, ele ainda era jovem, não que ele seja velho, mas sua aparência era de um adolescente despreocupado, mas hoje seu rosto estava maduro, e em sua testa sempre existia um pequeno “v”. Era notórios a marca permanente da barba que ele fazia, e seus olhos, seus olhos foram a única coisa que não mudaram. Era o mesmo verde-mar de que me lembrava. Mesmo com todas as circunstâncias seus olhos ainda transmitiam aquela paz e segurança de um mar calmo. Notei naquele momento o quanto senti falta daquilo.

—Existem coisas no mundo, que não podemos explicar Anna. Elas simplesmente existem. – Ele respondeu olhando pra mim.

Entendi o que ele quis dizer e apenas dei um pequeno sorriso e voltei a olhar para o céu. Senti seu olhar sobre mim, ele me analisava. Não falei nada, já que tinha feito a mesma coisa minutos atrás. Não dissemos mais nada e um silêncio confortável pairava sobre nós. Era como antes, quando deitávamos no telhado da minha casa e ficávamos olhando para o céu nublado de Londres.

Em algum momento da noite acabei caindo no sono e acordei com os primeiros raios de sol. Percy estava ao meu lado, ainda dormindo, a uma distância segura de mim. Sorrindo constatei que ele sempre sabia quando podia e quando não podia se aproximar. Apesar do silêncio confortável da noite anterior meus sentimentos estavam confusos e embaralhados, ainda estava com raiva dele. Eu só não sabia se era pela Duquesa, pelas mentiras, por saber que esse lugar é real, e ainda por cima que ele é o próximo rei, ou por sua mãe ser uma louca... Não sei. Mas eu estava irritada. Ele era a única pessoa responsável por tudo isso.

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