Capítulo III - Traumas

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Avisos: Esse capítulo contém violência, abuso infantil (verbal, violência física e sexual), menções a suicídio e linguagem imprópria.

Um uivo, um grito, metade de horror, metade de triunfo,

 como somente poderia ter saído do inferno, 

da garganta dos condenados em sua agonia, 

e dos demônios exultantes com sua condenação.

Edgar Allan Poe

OUVIU O BARULHO NO SALÃO. O SOM DA MÚSICA, DAS RISADAS. Podia imaginar as mulheres bonitas e maquiadas, os homens elegantes, conversando, rodopiando.

Estava sentado no chão do quarto, recostado na parede atrás da cama. Com as luzes apagadas, só se enxergava as silhuetas que se deixavam ver com as parcas luzes que vinham dos postes ao longe filtradas pela janela alta. Era o quarto dos sonhos de muitos garotos de nove anos como ele. Cheio de brinquedos de heróis, de livros nas estantes embutidas, coleções com os personagens favoritos dos animes.

Mas ele não se sentia em um sonho. Estava tremendo no canto, encolhido. As mãos pequenas nos ouvidos, a respiração sôfrega. As pupilas dilatadas de medo.

— Abra a porta. — pediu baixo. — Não me deixe sozinho...

O escuro parecia querer engoli-lo de vez e as sombras contavam terríveis histórias. Elas surgiam do nada e não sumiam mesmo quando fechava os olhos com força. Os zumbidos vinham juntos, dolorosos. Gritos, choro. Dor, muita dor, tanta dor.

Deu um grito e fechou mais os olhos.

— Para, por favor, para.

Aos poucos, finalmente, elas foram sumindo e seu coração se acalmou.

Elas vinham e iam do nada.

Karin dizia que ele era louco, havia ouvido ela comentando isso baixo com Menma, quando pensou que ele não estava ouvindo. Sabia o que era louco, não era uma coisa boa. Por isso o tio o trancava ali, para as pessoas não verem que ele tinha um sobrinho louco.

Talvez por isso Menma não viesse vê-lo mais, não devia ser bom ter um irmão louco também. Que via aquelas coisas, desenhava aquelas coisas que sempre irritavam todo mundo. Ele não fazia por mal, não queria, quando via já tinha desenhado. As tias do colégio mostravam ao tio e ele ficava bravo demais. E não podia deixar o tio bravo.

Ouviu o barulho da tranca e se encolheu assustado. Ele tinha medo do escuro, mas tinha mais medo da figura na porta. Os cabelos vermelhos brilhavam na luz do corredor e depois sumiram quando ele fechou a porta atrás de si. Fechou os olhos e ouviu os passos enquanto ele vinha até ele, se agachando na sua frente.

Sua respiração acelerou e os olhos encheram de lágrimas.

— Olhe para mim, Naruto.

Obedeceu ao tom forte. Seu corpo sempre obedecia. Abriu os olhos com receio e o rosto do outro estava ali, há centímetros de seu rosto pequeno. Os olhos azuis manchados de medo e de lágrimas. Estava abraçado aos joelhos, o cabelo loiro e cacheado caindo pelo rosto.

O sorriso do tio era calmo e gentil e o fazia sentir mais medo ainda.

— Sabe por que o tranquei aqui?

O menino se encolheu e teve o queixo preso com força e virado para frente quando tentou desviar.

— Eu fiz uma pergunta. — A voz era ainda calma, mas não deixava margem para objeções. O pequeno conhecia o tom, conhecia tudo.

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