Aviso de gatilhos: A primeira parte retrata abuso sexual (não explícito) e tentativa de suicídio. Caso não se sintam à vontade, pulem toda a primeira parte em Itálico, nas notas finais deixarei um breve resumo das partes importantes que ocorreram. No final também há um dialogo em que é mencionado sobre o assunto, então prossigam com cautela.
Se o bem e o mal pudessem falar um com o outro, o que eles diriam?
Eles são todos fingidores, os que vivem na luz, mas se escondem no escuro.
Ted Dekker
ELE NUNCA SABIA QUANDO ERA DIA, OU QUANDO ERA NOITE. Não sabia o dia, o mês. Poderia ter passado anos ali sem saber, imerso na névoa dos remédios. A única coisa indicativa de tempo eram as visitas de Nagato, mas quase todo tempo estava tão preso em si mesmo, que se encontrava insensível a qualquer coisa.
As vozes gritando naquele lugar, não sabia se eram dos vivos ou dos mortos. Já não os distinguia. Já não sabia o que era real e o que estava na sua cabeça. De repente percebera que havia realmente enlouquecido. Deixara de lutar quando o buscavam, quando lhe aplicavam as injeções. Não comia até que o mandassem, não dormia até estar dopado. Acordado, as imagens o assombravam, mas já não sabia o que era pesadelo ou visão ou real.
A sua sensibilidade havia crescido de forma descontrolada. Se tocava em alguém, aquelas imagens vinham em sua mente sem qualquer restrição, claras e reais, como se o véu que antes as separassem houvesse sido destroçado. Sua mente estava em frangalhos demais para o erguer novamente. Ele sabia como todos morreriam, com qual idade, de qual forma. Naruto morria com cada uma delas. Ele podia sentir o gosto de sangue em sua garganta, o vômito em sua boca, seus ossos se quebrando. O medo dos últimos momentos, de novo e de novo. Quanto mais recente, mais violenta, mais claro era. Sempre que acontecia gritava até precisar ser dopado.
Havia um homem, um médico de cabelos longos negros. Naruto não sabia seu nome, mas sabia como ele morreria assassinado por um garfo na jugular um dia, anos e anos à frente. Naruto via sua morte sempre que o tocava, sempre que o médico o tocava. Seus olhos eram como os de Nagato quando fitavam e ele surgia em seu quarto no meio da noite.
Naruto nunca resistia, mergulhado na cena em que ele morria de novo e de novo, bloqueando o que ocorria fora do seu corpo. Quando alguém finalmente percebeu as marcas em seu corpo, as visitas haviam se tornado frequentes. Naquele ponto os enfermeiros mal se aproximavam dele, sabendo suas reações com um mero tocar de mãos, se sentindo enervados por sua aura gelada e macabra. Nagato foi quem as viu, notou os rastros como apenas alguém que sabe exatamente o que aquilo significava poderia notar. O médico nunca mais apareceu.
Naruto se perguntava o quanto disso havia sido real.
Olhos azuis vidrados, Naruto observava, insensível, as sombras no seu quarto. Elas gritavam e tentavam tocá-lo em vão, tentando o machucar tanto quanto foram machucadas em seus últimos momentos. Naruto apenas assistia. Imerso, estava imerso. Mesmo agora com Nagato ali. Seus olhos sem vida fitavam o teto branco. Tudo era muito branco ali. Sua mente às vezes ficava em branco, e ele agraciava isso.
Ouvia os gemidos, apenas piscava por reflexo, ignorando outras respostas reflexas do seu corpo. Era sempre doloroso, mas apenas tinha a memória disso, como se o presente não existisse. Nem o corpo estranho dentro de si, ou os sons que o homem emitia, e as tentativas de fazê-lo gostar daquilo.
Um pensamento passageiro passou em sua mente, se perguntando a razão disso de forma ausente. A regra sempre fora para ele não gostar, certo? Por isso tinha que ser doloroso e humilhante. O sumiço do médico que o machucava também o intrigou brevemente. Afinal, não foram uma ou duas vezes que o tio entregara a chave de seu quarto para convidados bêbados durante aquelas festas? Não fora isso, que no fim das contas, o levara a estar naquele lugar?
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Névoa
Hayran KurguUm psiquiatra forense procurando vingança Um garoto com um passado traumático que é amigo dos mortos E um assassino procurando seu último ato. O bem, o mal e o homem entre o bem e o mal.