Capítulo XXII - Ferro e Porcelana

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Com longo olhar escruto a sombra,

Que me amedronta, que me assombra,

E sonho o que nenhum mortal há já sonhado.

Edgar Allan Poe

A PRIMEIRA VEZ QUE NARUTO VISITOU UZUSHIO DESDE A MORTE DA SUA MÃE, foi quase um ano após ter saído de Suna. Antes disso, ele estava instável demais para eles confiarem que não se quebraria ainda mais ao ver o pequeno distrito.

Eles pareciam tão hesitantes enquanto andavam pelo porto naquele fim de tarde, o olhando como se fosse de porcelana, frágil demais, como se as lembranças escondidas em sua mente fossem aflorar e retroceder todo o trabalho cuidadoso dos últimos meses com a visão do lugar.

Eles subestimavam o seu amor por Uzushio.

Ainda que fosse o distrito que enterrou sua oka-san e otou-san, aquele também foi o lugar em que mais foi feliz em sua vida. Havia um tempo, antes de seu pai se perder em sua própria cabeça, que os 4 haviam sido felizes ali. Naruto lembrava do cheiro do Teriyaki na orla no fim de tarde, de correr ao redor do cais com Menma. Ele recordava de descer para o porto de manhã cedo, pendurado nos ombros do seu pai, esperando os barcos virem do mar para pegar os peixes mais frescos.

Se fechasse os olhos, ele podia sentir o sabor do Takoyaki que eles compravam na volta.

Naruto lembrava de enfiar os pés na água como fazia agora, ou como sua oka-san lhe ensinou a nadar. Em como Menma saltava por cima dos containers do porto escondido de oka-san para lhe mostrar ao longe o velho farol.

Naruto amava Uzushio. Em como ele ainda fazia parte de Konoha, mas não realmente. Era tão distante de lá, que parecia outra cidade. Era um mundo a parte, parado no tempo. O único lugar que realmente significava casa.

E melhor ainda: o número de fantasmas em Uzushio, comparado com Konoha, era muito menor. Só havia uma sombra no momento no cais. Ele a na água, quase uniforme. Era uma grande diferença do inferno que era em Konoha.

— Você parece feliz.

Ouviu a risada rouca de Tobirama, o único que parecia certo de que não precisaria se preocupar com sua saúde mental ali. Seu tio sempre parecia saber dessas coisas. Ele sabia, afinal, o que Naruto via todos os dias. Se alguém podia entender, pelo menos um pouco Naruto, seria Tobirama.

Seu tio se sentou ao seu lado no cais, os pés descalços mergulhando na água também.

— É mais quieto aqui, não é?

— Uhuhun!

— Aqui. — Tobirama lhe estendeu um Tokoyaki e Naruto sentiu sua boca salivar e seus olhos pinicarem em nostalgia. — Seu irmão mandou.

Tobirama apontou para o calçadão e Naruto viu seu irmão e Karin conversando com um vendedor em uma banca, tentando parecer casuais enquanto vasculhavam o lugar atrás de Naruto, nunca o perdendo de vista.

— Obrigado. — Murmurou, beliscando a lula empanada, feliz que seu tio fingiu que não viu o quanto a visão da comida o abalou.

Ele parecia relaxado, provavelmente pela folga do trabalho. Naruto se perguntava muito sobre isso, sobre a razão de ele ter escolhido o trabalho mais difícil de se ter. Ele era um bom médico, pelo o que Menma comentava, e tinha uma equipe dedicada.

Mas, como ele consegue? Aquele lugar...

Seu tio o olhou com uma sobrancelha erguida e percebeu que estava o encarando por tempo demais. Desviou os olhos para o mar, sem jeito.

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