Capítulo XXIX - Nucia speciosa

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Aviso: Cenas de tortura e violência.

E o lince, que vive eternamente perto da sepultura, saiu e, prostrando-se aos pés de Satanás, cravou-lhe em cima o olhar incandescente!

Edgar Allan Poe

AO REDOR DO MUNDO, TODOS OS DIAS, PESSOAS SÃO TRANCAFIADAS NA PRISÃO, por diferentes crimes, diferentes sentenças, diferentes histórias. A única história que é a mesma é que uma porcentagem dessas pessoas não cometeu o crime pelo qual irão pagar.

Os motivos disso são diversos: erros no processamento de amostras, corrupção, incompetência policial e, principalmente, testemunhas que apontam para o suspeito errado. Como alguém pode falar com convicção que reconhece alguém completamente que só viu uma vez na vida em um momento de estresse? Quando se coloca um grupo de pessoas em um fila e pedem para você apontar quem acredita que foi seu agressor você vai apontar alguém com que sua memória reconhece como o mais próximo daquele que viu.

E se a pessoa não estiver nessa fila? Você vai apontar mesmo assim.

A sua mente sempre vai buscar uma solução, mesmo que essa nem sempre seja correta.

A memória humana é complexa, seus mecanismos de funcionamento são largamente estudados. Como podemos melhorar o armazenamento de memórias? Como podemos as acessar quando bem quisermos? Por que algumas pessoas lembram claramente coisas que ocorreram há dez anos, mas não o que comeram uma semana atrás?

A memória pode lhe pregar peças também. Memórias podem ser implantadas, modificadas, resgatadas. Às vezes você repete tanto algo que passar a ser verdade, dizem tanto a você que algo aconteceu que passa a duvidar de si mesmo.

Às vezes esquecemos propositalmente algo que, se resgatado, pode nos quebrar totalmente.

Naruto sempre se perguntou sobre seus apagões. Ninguém conseguia explicar ao certo a razão, além de ser seu mecanismo para esquecer fatos traumáticos. Com o tempo, ele se acostumou a ter aqueles buracos em sua memória e sua mente encontrou formas de os camuflar ou explicar logicamente o que estava acontecendo.

Ele nunca pensou que havia um fato em comum em todos eles, mais especificamente a presença de alguém. Ele nunca imaginou que aquele buraco em sua memória pudesse ter uma origem, que fosse propositalmente implantado ali por alguém.

Que alguém tivesse colocado um gatilho para isso.

A memória, como dito, é engraçada assim.

Porém, mesmo algo que sua memória enterra, seu corpo pode lembrar. E alguém atento pode reconhecer esses sinais.

Sasuke Uchiha, infelizmente, foi uma pessoa especialmente atenta em vida.

Como uma sombra distorcida, observando o que mais tentou impedir se desenrolar em frente aos seus olhos sem que conseguisse fazer nada, ele relembrava o dia da sua morte, as semanas antes de ela ocorrer.

Em como Naruto parecia apavorado sempre que alguém abria a porta, em como uma pessoa em especial parecia o fazer tremer e prender a respiração sempre que entrava em sua linha de visão. Naruto parecia tão confuso com isso depois, envergonhado por suas reações irracionais. E Sasuke? Sasuke cresceu em um lugar em que perceber o ambiente era essencial para a sobrevivência. Sasuke observou e Sasuke observou bem. E contra tudo o que tentou, morreu com aquela informação engasgada, falhando em a passar adiante.

Sasuke morreu porque sabia demais e mesmo morto ele não conseguiu se libertar do seu assassino. Eles estavam todos presos ao desgraçado, acorrentados a ele, como fantoches.

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