Capítulo VI

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"Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente.”
(William Shakespeare). 

- E onde paramos?! – Eu sorri. O sorriso mais falso de toda a minha vida, mas esperava mesmo te- lo convencido, afinal já basta o jeito que eu me exponho para o Jon. Não quero ter que ficar me explicando para outro dito “paciente”.

Noah me olhava com aqueles olhos verdes com certa desconfiança, mas depois da ceninha ridícula de possessividade inadequada do Jon, era uma reação completamente plausível. Ainda não sei como ele ficou sabendo que eu estava aqui. Droga de garoto, só falta ele ser médium.

Sentei na cama novamente e fiquei quieta, deixei que Noah voltasse a se sentir á vontade. Não demorou até que ele sentasse ao meu lado. Ele é bem mais fácil de lidar do que o Jon, mas me parece menos confiável.

- Só esclarece uma coisa para mim doutora. Se vocês não tem nada, por que ele faz tanta questão de encher a boca para dizer que você é dele? – Virei- me na cama para encara- lo. Ele tinha a pele escura como um chocolate ao leite e os olhos verdes reluziam como dois jades e penetravam nos meus buscando a verdade.

- A resposta não é óbvia para você? – perguntei em tom de deboche – Ele é louco. – disse simplesmente e ele riu.

- Você tem razão, ele é mesmo louco.

- Então já que concordamos sobre isso, podemos retomar nossa cessão?! – E ele se abriu para mim como uma concha após tanto tempo fechada, mostrando uma linda pérola negra.

A cessão com ele acabou bastante tarde. Noah era sobretudo uma companhia muito agradável, era engraçado, comunicativo e respeitava a minha posição de “médica”.

- Bem... Boa noite e vê se dorme logo viu?! Não quero a Sr.ª Friedmann diga que estou induzindo vocês a quebrarem as regras do reformatório. – estiquei minha mão para apertar a dele, mas ele me surpreendeu puxando- me para um abraço apertado.

- Obrigado! – ele disse. A voz, um som abafado entre meus cabelos.

- De nada... Eu acho. – respondi sem ter certeza sobre o que ele falava.

Ele inspirou profundamente e então olhou- me dentro dos olhos, e eu pude ver a dor, a frustração e algo mais sombrio escondido no fundo daquela imensidão verde. Apertei sua mão rapidamente para que ele soubesse que eu estaria ali, e que o ajudaria com qualquer coisa, fosse o que fosse.

- Quando você volta? – Havia algo mais na história dele, algo que ele não havia me contado. Eu descobriria.

- Em breve. – soltei- me de seus braços e virei- me na direção da saída.

Eu já estava no meio da escada para o quarto andar quando senti um comichão na minha nuca. Estava preocupada com o Jon, queria vê- lo, queria explicar- me melhor, mas eu não lhe devia satisfação. Fiquei parada entre um degrau e outro, o corpo levemente inclinado para a esquerda e dentro da cabeça a dúvida cruel amolecendo meus neurônios.

Se eu fosse bater na porta dele tão tarde, estaria dando meu braço a torcer e dando razão ao que ele fez mais cedo em relação ao Noah, mas se eu não fosse lá falar com ele, iria piorar a minha relação “médico- paciente” com ele, o que poderia repercutir naquela situação pendente que eu tenho com a Gina.

Gina, você tem uma dívida eterna comigo.

Decidida, subi os degraus que eu tinha acabado de descer e andei a passos largos pelo corredor silencioso. Olhei para trás só para ter certeza que o Noah não estava me espionando. Por baixo da porta dele não havia nenhum indicio de claridade, então acreditei que já houvesse deitado. Não percebi quando a minha pulsação acelerou, mas eu estava sentindo minhas bochechas corarem. Esfreguei minhas mãos, umas nas outras – uma preparação antes de bater na porta do Jon -, mas antes que eu tocasse na porta ouvi gemidos do outro lado.

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