Capítulo XII - Parte I

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Para ser feliz até um certo ponto é preciso ter- se sofrido até esse mesmo ponto.”

(Edgar Allan Poe)



Então eu não sabia qual dos dois estava parado na minha frente, mas o filho da mãe ia ter que se explicar, e muito bem explicadinho. Continuei batendo o pé fitme no chão, a impaciência se instalando fortemente entre as minhas têmporas.

- O. Que. Você. Está. Fazendo. Aqui? - perguntei e não fazia ideia se realmente queria saber.

Os seus olhos dourados reluziam sob as luzes brancas da faculdade, eram como dois faróis que brilhavam intensamente na minha direção.

- Eu te disse... Não aguentei de saudade. - fez uma cara que deveria ser para eu sentir pena, mas na verdade parecia que estava chupando limão, deu até vontade de rir.

Sacudi a cabeça em negativa, não podia deixa- lo se safar de tomar bronca. Era o primeiro dia em que ele ficava sozinho e não conseguiu fazer o mínimo do que eu havia pedido.

- Você não pode ficar andando atrás de mim... - cerrei os dentes – Se eu digo para você ficar em casa, precisa me obedecer ou essa droga de acordo não vai prestar. - tentei manter a voz baixa, mas algumas pessoas já passavam nos olhando.

- Mina... - ele começou, mas antes que pudesse interpelar ao próprio favor, eu o interrompi.

- Não se atreva a tentar me dobrar. Sou eu que estudo psicologia, não se esqueça disso. - virei as costas e sai pisando forte.

Demorou cerca de cinco segundos até que eu ouvisse o som de seus passos atrás de mim. Por mais que eu quisesse olhar por cima do meu ombro e ver o quanto ele tinha ficado chateado – ou não – me contive a vontade. Precisava me manter incisiva com ele, caso contrário teríamos sérios problemas.

Andamos em silêncio, eu seguindo na frente com o queixo empinado e ele logo atrás de mim, bufando. Paramos em frente ao ponto de ônibus e eu ainda não queria olhar na cara dele, estava realmente chateada, não só porque ele tinha saído sem falar comigo, mas porque foi atrás de mim, e isso é coisa de serial killer, e sabendo dessa aparente dupla personalidade, eu já não tinha certeza de nada sobre “eles”.

Fiz sinal para o ônibus e para minha infelicidade só havia dois lugares vagos. Juntos. Sentamos um ao lado outro, de cara emburrada, é claro. Permanecemos em silêncio durante o percurso. Eu olhava a paisagem que eu já conhecia de cor e salteado e aproveitava para olhar seu reflexo embaçado no vidro porcamente limpo.

- Você não pode me ignorar por toda a vida, sabia?! - ele falou, mas eu sequer cogitei responder.

- Mina, me desculpe. - disse e pela primeira vez desde que dei de cara com ele no pátio da faculdade, pareceu sincero. - Eu só precisava ter certeza.

Pela janela eu o vi com a cabeça baixa, e bem lá no fundo, deu vontade de abraça- lo.

- Do que você está falando? - perguntei com a voz firme, ainda sem olha- lo.

Ele soltou um leve suspiro com os olhos fechados.

- Jay...?

Havia alguma dor perpassando pelo seu rosto e então ele se inclinou todo para frente como se fosse vomitar ou algo do tipo, e depois jogou a cabeça no encosto do banco. Suas órbitas giraram de uma só vez. E eu soube que ele tinha ido, mas por quanto tempo?

***



Ele abriu os olhos devagar. Demorou mais a acordar do que da primeira vez que vi acontecer, eu teria que anotar todos os sintomas para começar a averiguar do que se tratava, mas ao que tudo indicava parecia um caso de transtorno dissociativo de personalidade, ou como é comumente conhecido, transtorno de múltipla personalidade.

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