19. Câncer

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O meu pai passaria o sábado testando o seu mais novo brinquedo: o Uber. Parecia muito feliz e foi por isso que não fiquei triste ao vê-lo me deixar na minha avó antes de sair em sua empreitada. Antes mesmo de sair do seu carro, o aplicativo anunciou a chegada do seu primeiro passageiro.

- Vai, Julia. - Ele quase me empurrou para fora do carro enquanto eu ria da sua afobação.

Balancei a cabeça em negação e caminhei em direção à casa dos meus avós quando ouvi sua voz me chamar. Me aproximei dele e o vi olhar para os dois lados da rua antes de me confidenciar:

- Acha que estou bonito?

- Ai pai! - Segurei seu rosto com as duas mãos e beijei suas bochechas. - Está lindo! Mas lembre-se que não está indo namorar. - Apontei na sua direção, semicerrando os olhos.

- Tudo bem, mas eu tenho que estar bem arrumado se quiser ser um motorista com cinco estrelas.

- Vai ser um com meia estrela se não for logo. - Dei um último beijo em seu rosto, acenando enquanto o via sumir pela rua.

Tinha avisado minha avó que ia na casa dela para passar o dia. Não foi novidade a sua tristeza ao saber que meus irmãos e minha mãe não estavam inclusos no pacote. Meus irmãos tinham muito o que estudar - eu também, mas minha vó era a prioridade naquele momento - e minha mãe tinha muito trabalho a fazer, ainda temendo por perder seu emprego e não ter como cuidar de seus filhos como bem queria.

Assim que eu cheguei, minha avó me recebeu com um abraço e eu beijei a cabeça do meu avô, que cochilava em frente à TV, quando passamos para a cozinha. Uma mesa recheada de comida me aguardava e eu aceitei de bom grado, sabendo que era feito pelas mãos de fada da minha avó.

- O que vai ser do seu pai agora que está desempregado? Vai viver desse negócio de taxista? - Minha vó perguntou quando eu dei um grande gole no suco que me foi oferecido.

- Não sei, vó. - Dei um longo suspiro. - Ele e minha mãe não querem que eu e o Davi façamos nada. Já o Tuti vai atrás de um estágio. - Toquei a mão enrugada da minha avó e vi um sorriso iluminar seu rosto. - Não se preocupe, vó. Meu pai vai arrumar outro emprego tão bom quanto o anterior.

Minha vó sorriu e beijou as costas da minha mão.

Era agora, eu tinha que fazer aquilo de uma vez por todas ou não seria capaz de dormir mais um dia sequer em paz. Tinha que fazer aquilo, porque estava errada e ela não merecia ter sido maltratada.

- Escuta, vó. Um dos motivos pelo qual eu estou aqui hoje é para pedir desculpas para a senhora. - A expressão confusa e surpresa ao mesmo tempo já era esperada. - A senhora não merecia ter sido tratada da maneira como eu a tratei no outro dia. Eu estava mesmo com Thomás, então não tinha direito de ser grosseira como fui. A senhora é um doce e merecia ser tratada melhor e valorizada por essa família.

Naquele momento o meu rosto estava lavado pelas lágrimas e foi o bastante para a minha vó se levantar e abraçar minha cabeça ao encontro da sua barriga, acariciando meus cabelos.

- Não se preocupe com isso. Não estava guardando ressentimentos. - Minha avó me afastou e acariciou meu rosto. - Podia ter me ligado, mas fez questão de vir até aqui e isso mostra o quanto você merece o meu perdão, Julia. - Ela se curvou e beijou minha testa. - Estou adorando o que esse menino Thomás está fazendo por você. Antes era uma menina fria, agora até chora na frente dos seus familiares.

- Minha mãe contou. - Deduzi, vendo minha avó assentir enquanto eu ria, revirando os olhos.

É claro que dona Alessandra ia falar sobre sua filha-experimento-do-Universo que a cada semana tinha um novo temperamento.

Não Acredito Em SignosOnde histórias criam vida. Descubra agora