Capítulo 1

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"Paulo, está tendo problemas financeiros? Entre em contato com a gente por este número!". Era a milésima vez que ele recebia uma mensagem direcionada ao tal Paulo. No começo ele respondia "Número errado, não há nenhum Paulo aqui". Mas as mensagens não paravam. Não só mensagens, eles também ligavam, de manhã, de tarde, de noite. Bancos, corretoras de seguro, financeiras, lojas de filtros, Americanas, C&A, uma vez até a mãe do próprio Paulo. Não, isso é exagero, mas ele gostaria que fosse verdade, só para poder fazê-la saber o quanto ele achava que ela era uma puta. Pois esse Paulo sem dúvidas era um filho da puta engraçadinho que ficava dando o número errado de propósito para todo mundo, jogando o martírio do Telemarketing em cima dos outros sem nenhuma consequência.

- Bom dia, aqui é o Bernardo falando do Banco Itaú, como vai, senhor Paulo?

- Aqui não é o Paulo, vocês têm o número errado. Por favor, parem de ligar.

- Ok, senhor, desculpe pelo engano.

Ring, ring.

- Bom dia, aqui é o Carlos do Banco Itaú, como vai, senhor Paulo?

- Vocês já me ligaram 30 vezes e eu expliquei todas as 30 vezes que o número está errado e eu não sou o Paulo. Eu não conheço nenhum Paulo, meu nome é Guido! Eu estudei com um Paulo uma vez na quinta série, mas ele não tem meu número e nem eu o dele, até onde sei ele pode estar morto. Parem. De. Me. Ligar.

No outro dia ligaram de novo.

- Vai tomar no cu!

Mas nada adiantava. Parou de atender o celular. Só atendia números conhecidos, o que se tornou difícil, pois ligavam tanto dos mais diversos números que quase não sobrava tempo para alguém conhecido ligar. O que esse Paulo fazia que havia tanta gente atrás dele?

Pensou em mudar de número, mas era um número antigo, que tantas pessoas tinham e ele estava tão acostumado, seria como começar uma outra vida. Pensou na burocracia e no trabalho de avisar a todos do seu novo número, sem contar o esforço mental de decorá-lo. Pensou em ir na polícia, mas o Telemarketing é poderoso demais para ser restringido pelas cordas puídas da lei e da ordem. Morar numa cabana no meio do nada, conectado somente com a natureza e a mãe terra, isso também lhe passou pela cabeça, mas ele queria saber como acabaria Game of Thrones. Por fim, chegou ao estágio da aceitação rebelde. Não fazia nada de ativo para impedir a desgraça que lhe ocorria, mas também não estava em paz com sua condição. Somente reclamava e isso lhe dava o senso de estar sendo injustiçado, tão importante para manter a sanidade em situações como essa.

- Minha vida já era - reclamava com um copo na mão na mesa de bar com os amigos.

- Você já pediu para pararem de ligar?

- Dá vontade de te dar um soco na cara, Kléber. É lógico que eu já pedi para não me ligarem mais. Repetidamente. Eu já me humilhei. Mas eles não param.

- É, o Telemarketing é implacável. - treplicou Kléber, como se tivesse um flashback do Vietnã.

- Você já tentou bloquear os números? - perguntou Durex.

- Já, mas pra cada número bloqueado aparecem mais 10 novos.

Todos tomaram um longo e silencioso gole pensando na desgraça do amigo. "Ainda bem que não é comigo", passou pela mente de todos.

- E a polícia? - falou Zureba num raro arroubo de inteligência, até estalando os dedos para ilustrar o coelho tirado da cartola.

- Não, não, não. - quem respondeu foi Durex - A polícia não tem poder de fogo suficiente para combater esses caras.

Maldito Telemarketing!Onde histórias criam vida. Descubra agora