Capítulo 25

6 1 0
                                    

Durex, com seus reflexos de policial, tirou rapidamente a arma das mãos do assassino – se pode-se utilizar esse termo – e checou se havia mais balas. Não havia. Aquela era a última, a bala de sua vingança e agora que a havia dado cabo, podia-se ver no rosto do homem o tamanho do peso levantado de seus ombros. Não tinha mais o ódio e a dor estampado no rosto, mas um alívio tremendo e uma alegria imoral por ter matado quem destruiu sua vida.

- Você guardou uma bala só pra isso? - perguntou Durex.

- Sim, eu tinha esperança de poder usá-la. E já digo logo que foi legítima defesa, ele iria matar outra pessoa, eu somente impedi isso.

Era verdade, Durex tinha que admitir. Tudo havia se encaixado perfeitamente para a vingança de Beto e não dava para se dizer que alguém sentia pena de John Smith. Talvez apenas Mr. Altmann, a julgar por seu olhar condoído para o corpo no chão.

- Eu te avisei, John. Eu te avisei.

Margarida abraçou o pai, aliviada por ele ainda estar vivo. Ele sorriu tristemente e Guido pode entender pelo sorriso que ainda não estava terminado. Faltava alguma coisa.

- Vamos embora logo. - falou o boss.

Andou até o corpo de Mr. Smith e cuspiu em cima dele. Zé, até então compreensivelmente calado antes os acontecimentos inexplicáveis, se aproximou de Guido.

- Obrigado, Guido.

- Obrigado por quê?

- Você salvou a minha vida lá atrás. Esses bichos estranhos quase me pegaram.

- Não, Zé, eu salvei a minha vida.

- Mesmo assim, obrigado. Se eu morresse minha mulher ia me matar.

- Não há de quê, Zé. É o suficiente para compensar o passado?

- Mais ou menos. Tecnicamente, você está fazendo eu perder outro emprego.

- Bom, vamos nos ater as coisas boas, sim?

Guido conseguiu se livrar do porteiro e foi atrás de quem importava. Abraçou Margarida, um abraço que foi apaixonadamente retribuído.

- Isso quer dizer que estamos bem? Você consegue superar isso tudo? - ela perguntou.

- Não sei se consigo superar, mas quero tentar. - respondeu Guido, arrumando carinhosamente o couro cabeludo de Margarida – Agora vamos embora.

- Por favor! - falou Durex.

Os seguranças ainda estavam na mesma posição de antes, braços esticados, armas a postos. Deram a volta neles e no corpo estirado no chão. Guido teve vontade de fechar os olhos de Smith, mas não chegou perto. Foram para o elevador, esse mais largo, caberia a todos juntos sem ficar apertado demais, mesmo com Vladimir ali dentro. Entraram, um por um, mas Mr. Altmann, ainda com o semblante tristonho, ficou de fora.

- Vem, pai. - falou Margarida.

O clima, se não leve, estava menos pesado. O alívio de todos ali era evidente, mesmo com a cara fechado do boss, que perdeu sua noite, quase morreu e ainda ficaria sem dinheiro algum por todo esse trabalho. Vladimir parecia não ligar. Beto era um novo homem e Durex ainda pensava se deveria prendê-lo. Decidiu que não. Queria somente fugir daquele lugar e esquecer daquelas horas. O próximo bar seria Guido quem iria pagar e ai dele se reclamasse.

- Eu ainda tenho mais uma coisa para fazer, vão indo na frente. - conseguiu sorrir, tranquilizando a filha.

Guido, que estava prestes a entrar no elevador, foi parado pelo sogrão. Ele se aproximou do ouvido do genro e falou baixo o suficiente para ser escutado somente por ele.

- Ela é mais humana do que a maioria das pessoas, rapaz. Cuide bem dela. Good bye. - e empurrou Guido, gentil mas firmemente, para dentro do elevador.

Guido, que não entendeu nada, entrou no elevador e viu a porta se fechar com o velho cientista ainda do lado de fora. Era a última vez que o veria.

Altmann caminhou sem pressa para seu antigo cativeiro. Passou pela luz azulada dos servidores e seu zumbido incessante, entrou na gaiola de vidro e se sentou em frente ao computador. Precisava sobrecarregar o sistema, causando um superaquecimento nos servidores. Usou seu algoritmo para isso. Deu ao computador uma tarefa tão colossal que nem mesmo ele, do tamanho de um prédio de cinco andares, conseguiria resolver. Para ajudar, desligou o sistema de resfriamento, tanto o normal quanto o de emergência. Já tinha deixado este comando pronto para quando chegasse a hora.

Digitou as últimas linhas de código e ouviu o barulho subir, vindo debaixo de seus pés. Logo uma vibração começou a sacudir tudo e ele já podia sentir o calor aumentar. Um alarme de emergência soou, a sirene chata o incomodando. Torceu para tudo aquilo acabar logo, a sirene, a luz vermelha piscando, o calor. Não queria morrer e talvez não precisasse. Tinha a possibilidade de sair antes de tudo explodir, mas decidiu que seria melhor se morresse. Não para ele, é claro, mas para o mundo. Se tudo aquilo devia ser destruído para que o algoritmo não caísse nas mãos erradas, ele também deveria ser. "E Margarida também", pensou, mas seria incapaz de fazer algum mal à ela.

- Agora ela é problema daquele dumbass. - falou em voz alta.

E ele acreditava, por alguma razão oculta, que Guido conseguiria proteger esse segredo tão essencial para a continuidade da raça humana. Havia ainda os outros do grupo, é claro, eles ficaram sabendo, pelo menos por alto, da existência do algoritmo. Mas ele tinha certeza que não fariam nada. Beto, com seu ódio pelo telemarketing, faria de tudo para impedir que seus inimigos ferrenhos tivessem tamanho poder. Durex simplesmente não ligava, queria só deixar tudo isso para trás. O boss, esse era mais perigoso, mas Altmann tomara precauções. Deixara uma quantia em dinheiro no dobro do valor que fora prometido para ele se sequestrasse Margarida. E o algoritmo lhe dissera que o singelo Adamastor queria apenas se aposentar da sua vida de crimes e poder finalmente se dedicar de corpo e alma à filatelia. E o dinheiro era mais que suficiente para isso. Além do mais, ele não era burro. Sabia que aquilo na mão de alguém ganancioso não seria bom para ninguém. Vladimir... bem, Vladimir era um enigma, mas não parecia oferecer perigo. Zé ganharia um emprego bom numa das empresas de Mr. Altmann e não faria questão nenhuma de lembrar desse último trabalho.

Estava tudo armado para dar certo. O algoritmo era realmente muito poderoso. Poderoso demais. Estava seguro em sua decisão de destruir tudo e a explosão, que não demorou a acontecer, pegou um homem em paz com sua morte.

O elevador havia acabado de parar quando ouviram a sirene vinda de baixo. Assim que ele se abriu, saíram rapidamente dele, com medo de serem levados de volta para baixo, para aquele maldito lugar. Deram numa sala normal, o hall de entrada de um lugar prático e moderno. Pelas portas de vidro na frente, Guido podia ver a grade de metal que separava o lugar do ferro-velho aonde tinham entrado. Atrás de uma bancada, igual a lá de baixo, não havia ninguém. Guido viu Zé olhando para a cadeira, talvez já temendo a reação da esposa quando contasse para ela que perdeu mais um emprego.

O chão tremeu sob seus pés. Foi impossível se manter em pé, todos caíram de bunda ou de joelhos no chão, assustados com um improvável terremoto. Guido lembrou-se imediatamente das palavras de Altmann e nem por um momento acreditou que aquilo havia sido um abalo sísmico. Aquilo havia sido causado pelo cientista. Correu para o elevador e apertou o botão freneticamente. Quando a porta se abriu, ele quase caiu no abismo à sua frente. O elevador não estava ali, os cabos se romperam com a explosão e o elevador caiu, selando a entrada do lugar, tantos metros abaixo. Margarida não demorou a perceber o perigo que seu pai corria e foi em direção do elevador. Guido a segurou para ela não cair e teve de fazer força, pois ela parecia querer se jogar no fosso. Logo acalmou e foi acometida por um choro sentido.

- Você não precisava fazer isso. - repetia.

Guido a segurou,sentados no chão, até o choro dela parar. Ninguém sabia o que fazer. O diaestava raiando.    

Maldito Telemarketing!Onde histórias criam vida. Descubra agora