Capítulo 13

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O mais estranho – uma palavra bem recorrente neste relato – para Guido, a coisa que fez sua pele se arrepiar e o joelho amolecer, não foi nem os homens armados procurando por ele, nem a perspectiva sombria de perder sua namorada antes mesmo de poder chamá-la assim e seu amigo também, é claro, mas foi quando ele percebeu que os homens e mulheres de borracha eram todos iguais. Sentavam-se numa ordem rígida e imutável – homem, mulher, homem, mulher, homem... ad infinitum – e eram iguais. Como gêmeos idênticos, mas mais perfeitamente iguais ainda. Até as roupas eram as mesmas. Aquilo tudo parecia saído de um filme de terror, aquelas pessoas todas idênticas e inertes em suas cadeiras, ainda usando fones de ouvido grandes e redondos, tapando suas orelhas, as quais ele confirmou que eles tinham, quando tirou o fone de um dos homens. O borrachudo usava uma camisa branca e calça preta, o que era muito conveniente. Jogou o corpo debaixo da escrivaninha, o mais silenciosamente possível, mas os homens procurando por Guido estavam fazendo barulho ao puxar e empurrar cadeiras, tropeçar em mesas e uma vez até dar um tiro, o que foi prontamente repreendido pelo boss. Então Guido sentou-se no lugar do boneco e botou o fone na cabeça. Encostou o queixo no peito, tentando imitar à perfeição a posição dos outros, mas manteve os olhos abertos para poder ver pelo menos alguma coisa do que acontecia ao seu redor. Não fazia diferença, só poderiam notar seus olhos abertos de muito perto, e se chegassem tão perto assim ele já estaria acabado.

Seus olhos doíam com o esforço de tentar olhar para frente com o queixo ainda apoiado no peito. Com isso suas sobrancelhas se uniam numa expressão raivosa involuntária. Tinha de fechá-los a cada poucos momentos, mas não fazia diferença, ele não enxergava quase nada mesmo. A audição era muito mais útil numa situação como aquela. Dois minutos pareceram uma hora. Ele ouvia os passos, os sussurros e os movimentos ao seu redor, mas ninguém chegou perto dele o suficiente para ele se assustar. Se chegassem, ele simplesmente iria correr e seja o que Deus quiser.

Ele escutou um barulho vindo da sua esquerda, de onde ele tinha vindo. Alguém vinha por ali. Sentiu o coração bater acelerado, quase saindo do peito, como se quisesse abandoná-lo e fugir primeiro. Já tensionava os músculos, num esforço ansioso para poder correr assim que a situação ficasse insustentável. Ouviu alguém se mexendo à sua direita também. Agora não tinha caminho livre para correr, teria de escolher uma das pessoas e tentar passar por ela com o elemento surpresa. Estava com medo de alguém ouvir seu estômago, que agora dava grunhidos bizarros. Passo a passo, os dois homens fechavam o cerco sobre Guido. Estava ficando cada vez mais difícil ficar imóvel sobre a cadeira, suas pernas tremiam, ele usava todo seu autocontrole para não levantar a cabeça. Se fosse religioso esse era o momento para uma prece. Deviam estar a uns dois metros, agora um. Pararam atrás de Guido, se encontrando, não havia mais o que fazer. Preparou-se para se levantar.

- Quem é você? - falou um, com uma voz de comando.

Guido quase respondeu, se não fosse o outro agir primeiro. Guido achava que tinha o elemento surpresa ao seu lado, mas surpresa mesmo foi quando o segundo homem, vindo da direita, deu um sonoro soco no estômago do primeiro, em resposta à sua pergunta. Meu Deus, como era difícil ficar parado naquela situação! Tudo o que queria era correr, correr como o papa-léguas do coiote, talvez até atravessando paredes se necessário. Torceu para desmaiar, assim não precisaria fingir nada.

O primeiro homem, o que fez a pergunta – não muito bem aceita – ao outro, tombou no chão e um chute bem dado no lado da cabeça encerrou a conversa. O segundo homem misterioso – a quem Guido agradecia silenciosamente – continuou seu caminho para o outro lado, sem ver o borrachudo suando frio e com o pulso inchado, parado bem ali. O corpo do outro ficou imóvel no chão, desmaiado. Talvez até morto. As mortes anteriores da noite haviam incutido esse medo em Guido e ele agora via cadáveres em todos os lugares.

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