Capítulo 11

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Beto demorou para se controlar e interromper o choro. Ou talvez tenha apenas secado as lágrimas acumuladas dentro de si. Guido não sabia, mas deu graças quando o homem estranho se desencostou de seu peito e encolheu-se no outro canto do carro, com o olhar vazio e distante. Parecia não estar mais ali, talvez sua mente tivesse se libertado e voado para algum outro lugar.

- Nunca pensei que havia mais gente passando pela mesma situação que eu. - falou ele depois de um longo silêncio. - Isso só me dá mais vontade de acabar com essa raça maldita.

Guido fez uma anotação mental, lembrando-o de não deixar o sujeito chegar perto de Margarida. Eles já estavam dirigindo há um bom tempo, seguindo em direção ao subúrbio, longe do centro lotado de prédios altos e brilhantes e em direção a bairros cheios de casinhas simpáticas. Seguiram além desses bairros até chegar aos arredores da cidade, lugar onde ficavam grandes galpões e depósitos. Aonde haviam fábricas e algumas fazendas, depósitos de carros, aterros e tudo o mais que demandasse grandes espaços.

- Falta muito? - perguntou Guido, como uma criança ansiosa.

- Não. Eles pararam de mexer já tem um tempo. Estamos chegando lá.

Guido sentia a bexiga apertada, algo maximizado pela ansiedade constante daquela noite interminável. As palavras do boss não foram em vão. Não demoraram nem mais dez minutos antes de pararem em frente a um portão gradeado com um rolo de arame farpado em cima e uma placa de "proibido a entrada sem autorização". Estava escuro do outro lado do portão, mas Guido conseguia distinguir a silhueta de diversos carros, alguns empilhados até, e ele supôs com bastante segurança que se tratava de um ferro-velho. Uma guarita vazia e escura fazia terrivelmente seu trabalho de proteger a entrada. Guido viu um par de faróis chegando por trás deles na estrada deserta e sentiu o coração disparar. O boss e Vladimir desceram do carro. Beto ainda parecia imerso em fantasias vingativas contra a tal raça que ele pretendia erradicar.

O carro parou bem atrás deles e Guido viu mais quatro homens descerem de dentro dele, e, não sem um alívio contraditório, percebeu que eram os outros capangas do boss, aqueles de mais cedo na noite. Meu Deus, havia apenas algumas poucas horas desde seu sequestro. Essa noite parecia se arrastar por semanas.

Os faróis foram desligados, assim como os carros, e todos desceram e se aproximaram furtivamente do portão fechado. Quem tinha uma arma a levava nas mãos. Guido simplesmente acompanhava os outros, torcendo para uma arma não lhe fazer falta. Uma corrente grossa com um enorme cadeado mantinha o portão trancado. Um dos homens do segundo carro saiu após um sinal do boss, abriu o porta-malas do carro e voltou com um alicate gigante. O boss, aliás, era o único que não estava agachado e, assim como Guido, não carregava uma arma. Estava de pé, ereto e confiante e talvez não carregasse uma pistola para não atrapalhar sua diversão com seu charuto e copo de uísque inseparáveis.

O homem com o alicate, apesar do tamanho do instrumento, não foi capaz de cortar a pesada e grossa corrente. Vladimir se levantou – e só assim Guido pode entender que antes ele estava agachado – empurrou o homem pro lado com desprezo e com um grunhido (quelle surprise!) cortou as correntes como manteiga, não uma manteiga quente, uma manteiga que saiu da geladeira a uns dez minutos, mas mesmo assim, não foi muito esforço.

O grupo adentrou o cemitério de carros. Era como uma pequena cidade, as pilhas de veículos formavam ruelas labirínticas conduzindo a algum lugar indefinido. Vladimir ia na frente, com o boss logo atrás, dando direções quando necessário, e o resto dos homens vinham o seguindo quase em fila indiana. Guido era o último – posição escolhida de propósito – com Beto logo à sua frente. O boss relutava em aceitar, mas estavam claramente perdidos. Já haviam passado pelo monza verde com um adesivo pornográfico no para-brisa pelo menos duas vezes. Um cachorro latia ao longe. Guido teve uma ideia.

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