Capítulo 23

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O corredor parecia tão longo quanto antes. No começo eles ainda podiam ouvir os zumbis borrachudos arranhando a porta de metal, desesperados pela perda de suas presas. Um barulho macabro e assustador, que incentivou a acelaração dos passos de todos, apesar do cansaço opressivo. Quando o som se desfez e tudo que restou foi o barulho dos passos em si, eles diminuíram a velocidade, cedendo a um sentimento de segurança depois de passarem por um perigo terrível. Somente Adônis pareceu não relaxar nem um pouco, continuando a perscrutar cada canto do caminho curvo, atrás de zumbis escondidos ou talvez do Mr. Smith. Que perigo ele ainda poderia oferecer a eles? Havia sumido no meio da multidão de robôs, claramente imune à sede de sangue deles, mas ninguém o viu depois disso. Poderia estar lá ainda, protegido por seus brinquedinhos. Certamente era mais seguro do que encontrar um grupo vingativo de pessoas num corredor estreito.

O boss parecia desiludido, havia perdido toda a pose de comando e somente seguia aos outros, sem falar nada. Nem mesmo acendeu outro charuto. Vladimir parecia estar passando por um dia como qualquer outro, tirando o sangue escorrendo pela cara, tinha a mesma expressão de antes, entremeada por alguns grunhidos entediados.

- Guido – falou Durex –, a próxima vez que você tiver algum problema com mulher, por favor não me involva nele, beleza?

Os dois riram, sentiam estar chegando ao final da noite, se não intocados, pelo menos vivos, o que não se podia dizer de algumas outras pessoas que fizeram parte daquelas horas absurdas. O pior machucado de Guido, aliás, fora o próprio sargento quem causara, como ele se lembrou, esfregando o pulso. Iria poder finalmente ir num hospital, botar uma tala e tomar um analgésico bem poderoso, morfina, se desse sorte. Mas era cedo para relaxar, a noite ainda não havia acabado.

Guido e Margarida pareciam estar voltando, se não a uma relação apaixonada, pelo menos à uma amizade reconfortante. Guido não conseguia vê-la como um robô (apesar de seu penteado novo), ela conversava como uma pessoa normal, ria, ficava preocupada e tinha medo. Não conseguia pensar num robô assim. Nem num robô tão lindo. Robô não, ciborgue, seja lá o que for isso. O pai dela, por outro lado, parecia ter perdido toda sua confiança e eloquência, andando calado e cabisbaixo, como um condenado no corredor da morte. Alguns sons indefinidos acabaram com a descontração do grupo. Adônis fez sinal para eles pararem e fazerem silêncio. Ameaçou pegar a pistola no cós da calça, mas lembrou-se da ausência de balas. Fez sinal com a cabeça para Vladimir ir na frente com ele para checar a origem do som. O gigante fez um grunhido que todos ali já reconheciam como sendo um "sim".

Guido e Margarida eram os únicos que ainda tinham balas, então Adônis mandou eles ficarem em alerta com suas armas para o caso de alguma emergência. Guido pensou que seria mais inteligente se ele desse sua arma para o espião, mas não falou nada, pois, por pior que fosse sua mira, não queria ficar sem a pistola.

Os dois grandes machos foram na frente, com passos cuidadosos, até sumir na curva do corredor. Alguns momentos de sólida tensão se passaram antes de voltarem correndo, ainda com cuidado para não fazer muito barulho com os passos. Adônis olhou no rosto daquelas pessoas esfarrapadas ali, sob sua responsabilidade, ele que nunca fizera nada para salvar a ninguém a não ser ele mesmo. Com exceção de Margarida.

- Problemas. - falou – Aparentemente, os robôs do depósito também fazem parte do protocolo.

O grande depósito, aquela biblioteca macabra cheia de corpos dependurados. Mais ainda do que dentro da grande sala de onde haviam escapado. E ele estava entre eles e o hall de entrada, aonde o elevador os levaria para a segurança, ou assim pensavam.

- Não temos muitas balas – continuou o espião – então temos de passar o mais rápido possível pelos robôs e chegar até o hall de entrada. Novamente precisaremos manter o Zé em segurança pois ele tem que abrir a porta. Margarida e seu pai vão no meio com ele e nós – apontou para os homens do grupo – faremos um círculo ao redor deles e os protegeremos. Paulo, ou Guido, sei lá, me dê sua arma.

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