Capítulo 9

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Então era isso, o sotaque era americano. Os Rs macios e enrolados e as sílabas arrastadas e pouco fluidas. Guido parou e percebeu o quanto era idiota estar pensando nisso naquele momento. Afinal, estava falando com o sogrão pela primeira vez, não num momento muito propício, é verdade, mas a primeira impressão é a que fica. Tentou parecer menos em pânico e mais preparado para salvar a filha dele daquele super-homem que carregou duas pessoas nos ombros sem nem alterar perceptivelmente a respiração. Mas se estava difícil para ele mesmo acreditar nisso, imagina para um multibilionário americano. Esse pessoal é muito exigente.

- Ah, sim. Como vai o senhor?

- Isso é hora para isso, moleque? Tem um sequestro acontecendo, cada segundo conta. Agora saia do quarto e vá logo para o elevador. Ele já saiu.

Parecia um sujeito acostumado a mandar e ser obedecido. Guido não gostava de receber ordens, mas também não tinha a pró-atividade necessária para tomar o comando e as direções do americano até agora haviam sido bastante efetivas. Olhou com muita atenção todas as diferentes imagens na TV, em busca de alguma emboscada armada para ele, mas se convenceu de que estava seguro e sozinho no apartamento. Em parte por não ter visto nada nas câmeras, em parte pelo americano barulhento no seu telefone.

Correu até o elevador e chegando lá se deu conta de que não tinha ideia do próximo passo. Ia correr atrás do carro, desarmado e com um pulso quebrado?

- Senhor...? - lembrou-se de que Margarida não citou o nome do pai.

- Altmann. Agora, rápido! Aperte o botão vermelho.

- Opa, pera aí, Seu Altmann, os outros sequestradores estão lá embaixo.

- Sim, deixe-os subir.

Já ouvira falar que normalmente as pessoas muito ricas eram loucas em algum nível, mas não imaginou ser no nível máximo.

- Deixar subir as pessoas que me sequestraram algumas horas atrás? Você enlouqueceu? Eu quero achar a Margarida, não ser preso com ela. - sentiu-se culpado por ter esquecido do Durex. - E meu amigo também. - falar isso tanto tempo depois só o fez se sentir mais culpado e patético.

Não é que ele não quisesse salvá-lo, ele era seu melhor amigo. Mas Margarida havia eclipsado tudo o mais naquela noite, um fenômeno celestial realmente arrasador.

- Aperte logo o botão vermelho, man. Eles estão do nosso lado agora, entende? Não há nada que o dinheiro não compre, e o real anda bem desvalorizado.

- Não sei não, você tem certeza? - era bem compreensível a hesitação de Guido.

- Press... the... button!

Lembrou-se das suas aulas de inglês e apertou o botão vermelho, sentindo o estômago contrair assim que o fez e viu os homens entrarem na gaiola, prontos para subirem até ali.

- Espero que você saiba o que está fazendo.

- Eu soube até agora, right?

É, ele esteve certo até ali. Mas basta estar errado uma única vez. E se ele errasse, quem ia ter que lidar com o gorilão branco era Guido. O tempo passou lento como um idoso no supermercado enquanto o elevador subia decisivamente na direção do futuro de Guido, não, do futuro das três pessoas já sequestradas naquela noite. Tudo parecia suspenso no ar, flutuando no éter da indefinição quando a porta do elevador se abriu e o boss exibiu um sorriso ladino para o sujeito amedrontado parado à sua frente.

- Então, ouvi dizer que seremos parceiros agora, hein? Melhor deixarmos o passado ficar no passado, não é mesmo? - falou envolvendo o ombro de Guido com um de seus braços musculosos e indo em direção ao sofá branco.

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