Capítulo 17

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Não se sabe se essa é a primeira vez que um porteiro cai do segundo andar em cima da cabeça de alguém, mas para Guido com certeza era. Assim como para Adônis, a julgar pelo gemido abafado dele ao bater de costas no chão com um pesado bigodudo o segurando. O som não passou despercebido pelos perseguidores, que logo chegaram ao local da comoção, encontrando seu odiado cativo completamente entregue.

Ficou claro que Zé não havia planejado aquilo, pois ficou lá parado quando os outros homens chegaram perto dele, com um misto de desconfiança e gratidão. Beto não sabia se apontava a arma para Adônis no chão ou para o agora de pé porteiro com um bastão retrátil na mão. Ficou alternando a mira entre os dois. Zé levantou as mãos em rendição, não quando viu a arma apontada para si, mas quando viu Vladimir se aproximando, dando seus grunhidos impacientes.

- E quem é você? - ouviu o boss dizer.

- Eu sou o segurança daqui. - falou Zé, vacilando um pouco.

- Entendo. Bom trabalho. Você pegou o intruso. Mr. Smith vai ficar muito satisfeito.

- Vocês conhecem Mr. Smith?

- Conhecê-lo? Oras, trabalhamos para ele. Acha que estamos aqui por quê?

- Para roubar alguma coisa.

- É um bom chute – o boss encolheu os ombros com a justa sugestão de sujeito, antes de apontar o charuto para ele – mas não, dessa vez estamos trabalhando honestamente. De certa maneira. Aliás, meu bom homem, acho que o senhor seria de grande ajuda para nosso time. Você por um acaso não viu um outro sujeito andando por aí? Alto, um pouco fora de forma, com um pulso inchado e uma camisa suja e esfarrapada.

O "um pouco fora de forma" ofendeu Guido mais do que qualquer outra coisa que o boss havia feito naquela noite. Mas não tinha tempo para ofensas, pois ele tinha certeza que o porteiro não iria perder a chance de jogá-lo para debaixo do ônibus na primeira oportunidade. E essa primeira oportunidade se apresentou rápido demais. Guido tentou pensar o mais rápido possível numa solução antes de Zé responder a pergunta, pois a resposta seria seu fim. Pulava em cima deles como o Judas havia feito agora a pouco? Não, eles eram quatro e ele apenas um, isso iria apenas machucá-lo. Será que dava para ir para o outro lado da estante? O que dá para o corredor do lado? Além da falta de talento atlético, havia um outro corpo ocupando o espaço adjacente e ele não conseguiria passa por ele sem chamar muita atenção para si mesmo. Bem, era isso então, já via a boca do porteiro começar a se mexer e seu braço subir com um dedo indicador em riste, pronto para apontar exatamente para o seu cabide.

Mas o corpo na estante ao seu lado se moveu. Precisa e silenciosamente ele se moveu. Não ele em si, é claro, mas o cabide, como numa máquina de lavanderia, em que as roupas vão se movendo para frente e para trás, conforme o número que se aperta. Logo alguém apertou o número dele também, pois Guido sentiu o cabide se movendo para o lado, tomando o lugar daquele outro, e logo para baixo, ficando quase ao rés do chão no corredor do outro lado, enquanto o boneco tomava seu lugar. Não sabia se agradecia a Deus, a sorte ou ao acaso, mas sentiu no mesmo instante o celular vibrar no bolso e logo soube o dedo de quem apertara os botões necessários.

- Mas ele estava bem ali! - ouviu a voz de Zé falando do outro lado das estantes.

- Dêem a volta! - ordenou o boss, com sua voz acostumada a mandar.

Guido tirou o celular do bolso quando acabou de se livrar do cabide. A ordem era simples. Corra. Ele correu. Não estava muito para dentro do labirinto – ainda bem – mas também não conseguia enxergar direito na luz baça que mal preenchia a sala. Errou uma virada, teve que refazer seu caminho, mas logo achou o certo e chegou ao balcão. Pulou-o, não sem uma certa dificuldade, a qual ele creditou à sua calça, não ao fato de estar um pouco fora de forma. Abriu a porta e disparou pelo corredor sem olhar para trás nenhuma vez. Foi em busca da porta certa para ele entrar.

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