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Silêncio

...

   As folhas das árvores caíam, era indício de que o inverno chegava. Alguns não gostavam dessa época, as mãos congelavam, as crianças adoeciam e o frio castigava o corpo mesmo com os vários cachecóis enrolados no pescoço. No pequeno vilarejo, em meio a floresta, luzes laranjas brilhavam nas janelinhas enquanto lareiras eram atiçadas, famílias se juntavam em volta do fogo para se aquecer tomando chás e contando histórias. Poucos se atreviam a sair, não com a neve que começava a desprender das nuvens cinzentas. Um gato ainda arriscava caminhar sobre o tapete branco que cobria o chão, no entanto, uma figura se encontrava de pé, a barra do longo vestido úmida e as unhas das mãos roxas. Iani era jovem, esguia, tinha uma pele parda porém pálida, muitos a julgavam doente por sua aparência, mas ela não se importava com o que os outros achavam, tanto que estava ali fora, uma mão estendida ao céu onde pequenos flocos se acumulavam.

—Mamãe olhe, ela não está com frio? — uma criança envolta de casacos, cachecóis e luvas passou ao lado de Iani junto de uma mulher igualmente agasalhada.

—Vamos Tina, vamos.

  A mãe puxava a menininha fazendo com que pegadas disformes surgissem na neve. Em poucos segundos o silêncio voltou a reinar. Iani respirou fundo, suas mãos rosadas por conta do frio assim como a face. As roupas que usava não eram pesadas ou cheias de lá, qualquer um que se vestisse daquela forma durante o inverno congelaria. Mas ela não. Por algum motivo se sentia bem em estar em contato com o frio da estação.

Aquela era a única época que parecia se sentir realmente bem.

 —Uma figura baixa coberta por uma capa se aproximou com passos mancos, a cabeça ostentava um capuz de lá cinza escondendo fios ralos e brancos.

—Senhora Lara, o que faz aqui fora?

—Eu é que deveria perguntar isso a você menina!Veja só!Nem um cachecol!Vai acabar se resfriando!

  Aquele não era o primeiro inverno que escutava palavras do tipo. Os outros a chamavam de louca mas Lara fazia o possível para que ela se sentisse cuidada.

—Eu vou ficar bem, não se preocupe.

  Dona Lara morava a poucos metros dali, era a vizinha mais próxima de Iani no vilarejo de casas de tijolinhos, porém, naquela região humilde, as casas eram de madeira.

—Um dia quando ficar doente vai me dar razão...

  A jovem sorriu, um sorriso doce que prendeu a atenção da baixa senhora. Quase como um encanto ou como uma estranha energia que recarregava as suas.

—Eu estou acostumada, gosto do frio, mas a senhora não deveria estar aqui fora.

—Ave!Não sou nova mas não sou tão velha ao ponto de me trancar em casa com medo de um friozinho.

  Naquele momento uma rajada de vento soprou pelo vilarejo, quem estava nas ruas sentiu o rosto queimar e os lábios racharem mas estranhamente aquelas duas nada sentiram.

—Aqui!Pegue isso.

  Mãos enluvadas estenderam uma tigela de barro, mesmo tampada o cheiro do ensopado de legumes e carne se espalhou abrindo o apetite de quem o sentiu.

—Já disse para senhora não se preocupar comigo! — Iani queria recusar mas Lara já havia soltado a tigela em suas mãos — Vai fazer falta para você!

—Imagina!

—Por favor pegue de volta.

—Não aceito.

Lobos na floresta | Livro 1 | ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora