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Paz

A passos firmes e cautelosos, Aaron, Dave, e alguns outros lobos avançaram pelo que um dia foi uma majestosa cidade. As torres antes cintilantes agora não passavam de ruínas opacas e sem vida. Não haviam mais tendas espalhadas pelas ruas ofertando as majestosas pedras que movimentavam a economia daquele lugar. Em tempos passados, os pais dos dois reis que caminhavam por aquelas ruas ostentaram em colares e coroas as riquezas daquele reino, mas agora tudo estava perdido em miséria.

—Acha que Lios quer mesmo um encontro amistoso?

A voz de Dave ecoou pelas paredes, do lado de dentro, alguns ouvidos silenciosos escutaram com atenção.

—Espero que sim.

As patas de Aaron escolhiam os trechos da estrada onde não haviam entulhos ou objetos que fizessem ruídos.

—E pensar que esse lugar já foi um dos mais lindos que conheci...

Os olhos esmeraldas observavam o que um dia havia sido a magnífica Cidade das flores de cristal.

—Uma guerra sempre trás consequências.

Aaron continuou em frente, e de algum lugar não muito distante, ele poderia jurar ter escutado vária vozes sussurrar:

"Não foi apenas uma guerra, Rei da Floresta"

O vento frio da floresta assoviava pelas ruas enquanto o pequeno grupo avançava cada vez mais. Quando as casas ficaram para trás junto do comercio em ruinas, um grande castelo surgiu. As torres cinzentas eram adornadas por ramos secos e espinhosos enquanto as janelas balançavam ruidosamente com o vento. Sentindo um arrepio incomodo em suas costas, Aaron e Dave atravessaram os portões adentrando o castelo. 

 —Será que alguém vai vir nos recepcionar?

—Eu não esperaria por isso.

A voz de Aaron ecoou na penumbra e dos cantos mais escuros ele conseguiu ouvir o ruído de unhas batendo no chão. 

—Eu me lembro de ter vindo aqui algumas vezes...

Dave encarava os vitrais quebrados, as flores não possuíam mais forma e o colorido que antes enchia aqueles corredores de vida estavam cobertos por uma poeira cinza e espessa.

—Parece que faz uma eternidade...

O silencio os acompanhou pelo restante do caminho. Assim que chegaram em frente a ultima porta do longo corredor, ambos respiraram fundo empurrando a pesada madeira com entalhes de flores.

Do outro lado, um grande salão tomou forma, raios dourados iluminavam o centro onde mosaicos de um belíssimo arranjo de flores estava entalhado no chão, aquele era o único lugar onde havia algum cor se não o cinza da poeira, e a escuridão das sombras.

—Fico feliz que tenham atendido ao meu convite, Rei da floresta e Rei das campinas...

Uma voz rouca e espessa ecoou por de trás da cortina de luz, bem onde havia um trono em ruinas escondidos por relva seca e espinhos.

—Viemos em paz Lios.

A voz do líder de olhos de ouro ecoou com força pelo salão acompanhada de um longo e exaustivo suspiro.

—Paz... já faz tampo tempo que ouvi essa palavra...paz

Os dois reis conseguiram sentir a movimentação de alguma coisa nas sombras. 

—Me digam... o que significa paz para vocês?

Aaron e Dave ficaram em silencio, não era como se aquela voz realmente quisesse uma resposta.

—Lembro de seus pais, ah sim, tão otimistas, tão inspiradores, tão idiotas...

—Todos tivemos perdas Lios! — Dave se alterou — Tanto você quanto qualquer outro desse mundo! Não fale como se fosse o único que estivesse...

Sofrendo?

A voz completou com um tom amargo.

—Ah sim! Perdas, todos tiveram perdas...

Mais ruídos começaram a surgir nas sombras. Os outros lobos que estavam com Aaron e Dave se juntaram protegendo as costas de seus senhores.

" A vitória será nossa!" ,"Eles são poucos e nós somos muitos!" , "Não há paz sem que haja a guerra!" ...Idiotas...idiotas...idiotas....

Os dois reis se aproximaram ainda mais dos seus soldados.

—Paz...paz...paz! Me digam, vocês possuem a tão desejada paz?

A voz rouca começou a se aproximar, os rodeando pelas sombras.

—Os pesadelos, os gritos, as vozes quando se deitam a noite, a imagem dos corpos de seu povo sangrando e implorando pela vida...

Aaron e Dave procuravam Lios nas sombras, mas eles não conseguiam ver nada. 

—Vou perguntar mais uma vez...

Sem que os dois esperassem, uma criatura horrenda emergiu da escuridão. Seu corpo magro e ressecado lembrava os galhos mortos das árvores que encontraram no caminho até ali, o pescoço longo segurava uma cabeça com cabelos que mais pareciam teias de aranha enquanto a face cadavérica ostentava dois buracos profundos de olhos negros e sem vida. 

—Acham que conseguimos a tão desejada paz?

Tanto Aaron quanto Dave estavam paralisados. Suas ultimas lembranças de Lios eram a de um homem esbelto, longos cabelos brancos e olhos cintilantes como as pedras preciosas que seu reino vendia. Aquilo na frente deles era tudo, menos o rei da Cidade de Cristal. 

 —A paz que vocês tanto almejam, não passa de uma mera ilusão!

Nesse instante, varias criaturas saltaram das trevas, os corpos tão magros e decompostos que seria impossível que ainda estivessem vivos. 

—Tragam-me a humana!

—Não!

Aaron tentou intervir mas rapidamente foi cercado.

—Não se preocupe jovem rei da floresta...

Os olhos negros encararam os dourados.

—Vou te mostrar o que realmente acontece com quem deseja a paz.

Lobos na floresta | Livro 1 | ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora