Lobos na floresta | Livro 1 | Concluído

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Juntos

 Em meio a escuridão do céu, Iani observava encantada as estrelas brilharem atrás da copa das árvores. A pequena matilha estava correndo a um bom tempo, tanto que o dia virou noite sem que ao menos percebessem. 

—Iani?

As palavras do grande lobo alcançaram a jovem que havia se aconchegado na pelagem branca e macia.

—Sim?

—Está cansada?

—Não acha que eu deveria fazer essa pergunta? Afinal, é você que está correndo comigo em suas costas.

—Eu estou bem, e te carregar não é um problema.

Depois da conversa que tiveram no quarto, o clima entre ambos havia melhorado o suficiente para arrancar um sorriso de Iani enquanto ela admirava o anel em seu dedo.

—Mais uma vez quero lhe pedir desculpas.

—Não precisa.

—Preciso sim.

Aaron acelerou mais um pouco se afastando alguns metros dos outros.

—Eu fui um idiota, não deveria ter dito aquelas coisas...

—Mas disse...

As palavras saltaram da boca de Iani sem que ela mesma percebesse. Um curto silêncio recaiu sobre os dois. 

—Não sei o que deu em mim, mas...

Ela apenas esperou, apertando um pouco a pelagem branca.

—Não aguento ficar assim, eu estava com raiva, mas não de você, e sim de mim, por ter agido feito um completo imbecil na festa e principalmente quando Aiko nos trancou juntos...

—Não tinha por que ficar daquele jeito.

—Eu sei...

Aaron deu um longo suspiro.

—Quando vi vocês dois juntos...

De relance, a jovem olhou para o animal de olhos verdes que corria um pouco atrás deles. 

—Não consegui me controlar...isso nunca havia acontecido antes.

Iani ficou quieta, apenas olhando as estrelas enquanto pensava no que ouviu.

—Espero que possa me perdoar algum dia.

Aquelas foram as últimas palavras do lobo branco antes dele voltar a correr em silêncio.
No alto do céu, a copa das árvores criavam sombras mais densas do que a própria malha noturna, como se alguém tivesse estendido a mão e roubado parte das estrelas.

—Aaron.

Dessa vez foi Iani que quebrou o silencio chamando a atenção do animal sob si.

—Sim?

—Também peço desculpas.

—Pelo quê?

—Bom, quando ficamos trancados fui eu que comecei a discussão — ela fez uma pausa — Disse que você não era capaz de proteger o próprio irmão...

Silêncio.

—Eu estava com raiva, não deveria ter dito aquele absurdo, sei o quanto ama o Aiko, mas eu também o amo e fiquei com medo de que o castigasse severamente quando saíssemos de lá, me desculpe...

Depois de alguns segundos em silêncio, Iani ouviu algo que se parecia com uma pequena e sutil risada.

—Do que está rindo?

—Como sempre gentil, mesmo quando estou errado você ainda consegue achar algum defeito ou alguma culpa para si.

—Estou apenas dizendo a verdade... foi um erro meu...

—Viu? De um jeito ou de outro você não deixa ninguém levar a culpa ou se sentir mal sozinho, quando não pode ajudar você absorve uma parte do problema na esperança de amenizar as coisas.

Dessa vez ela sorriu um tanto encabulada.

—Não faz ideia de como me sinto leve com você Iani, e sobre seu pedido de desculpas desnecessário, saiba que nunca vi erro algum em você.

A sinceridade em suas palavras parecia ecoar dentro da alma da jovem aquecendo seu coração naquela noite fria.

—Se é assim, eu também te perdoo Aaron...

Sob as coxas dela, os músculos poderosos do animal relaxaram.

—Obrigado.

Se sentindo mais leves, os dois continuaram correndo na escuridão, os sons das patas misturados ao vento gélido da noite.

Quando começou a sentir seus olhos pesarem, Iani ouviu novamente a voz de Aaron.

—Que tal dormir um pouco?

—Eu estou bem, não se preocupe.

—Aposto que não aguentaria ficar de pé, vamos, deite e durma, não vou te deixar cair.

Iani tentou recusar aquela proposta mas seu corpo cedeu muito antes que pudesse falar alguma coisa. Ela estava exausta, e mesmo com o receio de cair ali de cima enquanto Aaron corria, a jovem se deixou embalar pela noite e o cansaço.

—Promete não me deixar? — seu sussurro saiu baixo, mas as orelhas atentas do lobo branco captaram com perfeição cada palavra.

—Prometo.

Mesmo com o sono e o cansaço a dominando, Iani conseguiu esboçar um sorriso doce antes de cair em um sono profundo. 

...

O vento sutil da manhã sacudia os finos tecidos que cobriam uma belíssima redoma de mármore, ao longe, o mar azul pintava a paisagem de campos verdejantes onde duas pessoas estavam sentadas. Atrás delas, haviam duas estatuas enormes, uma de costas para a outra,  como se vigiassem o horizonte, e um pouco além dele. 

—Aí!

—Eu disse para não se mexer...

Com o cenho franzido, um homem de traços fortes mas delicados segurava a mão de uma jovem que não parava de fazer careta.

—Mas está doendo...

—Se não tivesse gastado toda sua mana não precisaria estar passando por isso — a ruga entre suas sobrancelhas se tornou ainda mais visível — Não sei por que se importa tanto com eles... 

—Você sabe sim...

A jovem parou de fazer caretas, dessa vez, ela apenas fechou os olhos deixando a brisa tocar seu rosto.

—De qualquer forma você precisa ficar mais atenta, sabe muito bem que minha magia não é aperfeiçoada para esse tipo de coisa...

—Está preocupado comigo?

—Não vou perder tempo respondendo isso.

Uma risada sutil alcançou seus ouvidos.

—Não fale como se eu fosse morrer com um machucado desses.

—Eu sei que não vai morrer.

—Bom, só se algum dia você ficar muuuito bravo comigo e...

—Igual estou ficando agora?

Mais uma vez a risada.

—Só estava brincando com você, bobo.

Ignorando as provocações ele se concentrou na ferida aberta até que uma mão tocou sua cabeça.

—Já disse para você...

Mas antes que ele pudesse terminar ,as palavras simplesmente fugiram diante do doce sorriso da jovem que tinha os olhos tão azuis e tão brilhantes quanto o oceano a suas costas.

—Não se preocupe, logo voltaremos para casa, juntos.