u m .

2.6K 182 76
                                    

1996, Brasil.

Andrew

O cheiro de sangue é insuportável, a casa está uma zona, tem móveis quebrados e fora do lugar, caco de vidro por toda parte e três corpos jogados no chão. Um homem com um vidro enfiado em um olho e uma faca no outro, mais próximo tem uma criança desacordada, é um menino. Ele não parece estar morto, mas está, os paramédicos acabaram de se levantar do lado dele. E mais afastado está uma mulher, Luana. Ela que foi me procurar ontem, ela parecia perturbada. E pelo jeito estava. A mulher tem o rosto todo desfigurado por ter recebido golpes de alguém, talvez seja do tal tio da garotinha que me ligou.

Eu espero ali na porta até os policiais liberarem a entrada, eles estão isolando a área e alguns estão subindo para o segundo andar. Nós temos que achar a garota!

— Será que ela fugiu da casa? — Um policial pergunta.

— Ela provavelmente está assustada demais, deve estar escondida em algum lugar. A menina disse que o tio estava vindo pra cá — digo tentando não fixar o olhar nas pessoas mortas, mas o cheiro de sangue é forte.

Vejo um rastro de sangue e franzo a testa começando a seguir, mas a porta do armário no corredor se abre lentamente, os policiais se posicionam com as armas apontadas, mas eu vejo pequenos dedos segurando a porta e logo um rostinho infantil aparece sujo de sangue. É a garota. Ela arregala os olhos e começa a correr até mim, num extinto até então adormecido, eu me abaixo e a pego no colo a abraçando com força.

— Você está salva, querida. Vai ficar bem — sussurro acariciando seu cabelo.

Uma policial para ao meu lado e toca meu ombro apontando pra fora, me guia até a ambulância onde fazem os primeiros socorros nela. Ela está ensanguentada da cabeça aos pés, mal da pra identificar se o sangue é só dela ou dos outros também. A menina é muito parecida com a Luana, sua mãe. As duas são negras, só muda que a Mellanie tem os cabelos cacheados e a Luana tinha os dela alisados. Os olhinhos da menina são castanhos e não saem de mim, vez ou outra ela desvia para outro lugar, assustada.

— Tem muita gente aqui, melhor levá-la para o hospital — digo para a mesma policial. Ela assente e se afasta conversando com seu superior, eles falam algo e ela retorna.

— Vamos — avisa para os enfermeiros que terminam de fazer os curativos nos machucados da garota.

— É o titio — ela sussurra olhando para algo atrás de mim, a policial franze a testa e aponta para outros policiais, eles vão atrás para tentar achar o homem.

Entramos na ambulância junto com a garotinha, ela fica sentada na maca enrolada numa manta térmica, os lábios tremem e os olhinhos estão perdidos. Não sei se é tudo medo ou adrenalina, já que nem frio está. A policial vai conversando com ela o caminho todo, passando confiança e calma.

— Qual seu nome? — Eu pergunto com receio dela se assustar, mas a menina me olha na hora.

— Mellanie — sussurra baixinho, quase não consigo ouvir.

— Oi Mellanie, eu sou o Andrew — me apresento e sorrio, ela balança a cabeça.

— Eu sei — sussurra e abaixa os olhos.

Ela é muito pequena e magra, parece ser uma criança de no máximo 10 anos. O cabelo cacheado é curto e bate pouco abaixo das suas orelhas, seu rosto está com vários hematomas roxos. O sangue que banhava seu rosto foi parcialmente tirado pelo paramédico, mas as pontinhas dos seus dedos que estão pra fora do cobertor, ainda estão vermelhos de sangue.

Chegamos no hospital e ela é levada para um quarto para receber os atendimentos necessários e fazer os exames que precisam em seguida, mas a Mellanie agarra minha mão com suas duas mãozinhas e se esconde atrás do meu corpo.

Mellanie - Intocável [2° história]. Onde histórias criam vida. Descubra agora