Capítulo Dezesseis

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Kaline

— Não sei o que faço madrinha. Três dias e ele não me ligou mais. - Eu estava deitada em minha cama e a madrinha sentada, acariciava meus pés.

— Só seu coração poderá dizer o que fazer meu amor. Se você acha que deve ligar, ligue. E assim, pare de se martirizar atoa. Mas se acha que deve esperar, assim, como eu acho que deve, porque eu confio que ele irá aparecer mais cedo ou mais tarde. Apenas... aguarde mais um pouco.

— Madrinha, seus conselhos nem sempre deixam claro o que preciso fazer. Preciso que me ajude a decidir.

— Não posso dar respostas prontas Kaline. Você é bem crescida para ficar dependendo de mim. Decida-se você. - Ela se levantou e se foi. Como estava mudada a madrinha. Mas ela tinha razão. Havia coisas, que só eu poderia fazer por mim.

Segurei o telefone como fiz várias vezes, depois do telefonema em que o Bruno com certeza havia me chamado em alto e bom tom pelo nome de uma rosa para que ele ouvisse, e disquei novamente seu número. Esperei que atendesse. De outras duas tentativas a secretária eletrônica pedia para deixar recado.

— Alô.

— Estava preocupada com você. — Sentei-me assim que ele atendeu. — Não estava atendendo minhas ligações. Ficou chateado com a brincadeira do Bruno?

— A gente conversa pessoalmente sobre esse assunto, se não se importar. — Dava para sentir o ar gelado mesmo do outro lado da linha. Eu merecia por me envolver em briga de família.

— Amanhã chego ao Brasil de mudança. Gostaria que me ajudasse com alguns detalhes do meu novo apartamento. Claro se não estiver muito ocupada.

— Não pode me tratar assim, porque não sei o que há por trás do relacionamento entre você e seu primo. Está sendo infantil comigo por uma coisa que não sei o que é.

— Não estou sendo infantil com você. Estou sendo prevenido comigo mesmo. Desculpe. Realmente não tem nada a ver com você. Mas a gente conversa quando eu chegar. Minha secretária veio me ajudar a terminar de arrumar meus objetos pessoais e eu preciso desligar para aproveitar esse tempo dela.

— Estão sozinhos? – Nem sempre tinha sido insegura em minha vida. Mas a partir de certo tempo, estava passando por isso.

— Estamos. Viajamos muitas vezes sozinhos. Já dormimos no mesmo quarto de hotel e se é o que quer saber... Nunca aconteceu nada entre a gente porque somos melhores amigos. Irá conhecê-la e vai gostar dela.

— Por que irei conhecê-la? Virá com você?

— Sim. Ela irá comigo. Gosto do seu jeito ciumento. — Agora parecia se divertir às minhas custas. Tudo bem! Eu até não me importava desde que o clima pesado entre nós se desfizesse. — Mas sem perigo. A Say é um doce de pessoa. E está ansiosa por conhecer você. Como disse vai gostar dela.

— Espero. Porque odiaria dividir você com mais alguém. — O que foi isso agora? Levei a mão a cabeça me recriminando. O que havia dado em mim? Levei a mão à cabeça, enquanto ouvia a risadinha dele do outro lado, e podia até materializar seu rosto a minha frente.

— Isso foi uma declaração?

— Não... Quer dizer. Preciso desligar então. Vá terminar sua mudança.

— Vai me esperar amanhã?

— Esperar eu não sei se consigo por causa das turmas que tenho. Mas posso ir a noite se quiser?

— Claro que quero. Te pego assim que sair do trabalho.

Quando ele desligou a madrinha voltou.

— Viu só. Não foi muito mais fácil acabar com a agonia? Agora poderá dormir tranquila.

— Ele está vindo morar no Brasil, madrinha. E por mim. Para que a gente se conheça melhor. Mas e se não der certo?

— Ele volta. - Ela cai na gargalhada.

— Madrinha... Isso dá um trabalho sabia? Mudar documentos. Conseguir pessoas para trabalhar. Apesar de que a tal secretária dele está vindo. Já não gosto dela...

— Como assim não gosta dela? Não conhece a moça. Como pode julgá-la. E outra coisa. Até outro dia não queria dar uma chance ao rapaz e agora está com possessão? Cuidado Kaline... Possessão e Cuidado tem significados diferentes.

— Desculpa Madrinha.

— Acho bom se comportar mesmo menina. Não criamos você para ser uma bonequinha mimada. E sim uma mulher batalhadora e segura de si.

Fiquei em silêncio meditando sobre tudo que meus pais me ensinaram. Eles sempre tiveram muito medo que eu sofresse algum tipo de bullying por estudar em escolas particulares que era constituída de noventa nove por cento de crianças brancas.

De certa forma se sofre sempre. Mas nada se comparava ao que eu iria passar pela frente quando encontrei meus primeiro professores de dança.

Um deles sugeriu um dia que eu usasse collant branco, diferente de todas as outras crianças que usavam o preto porque era difícil de me ver na apresentação. Como meu pai era bem conhecido na sociedade, moveu um processo sobre ele e obteve vitória.

Em outra ocasião outro professor deixou que eu ensaiasse todo o mês para uma apresentação, mas no dia outra menina fez o solo. Minha mãe ficou furiosa e eles tiveram que se retratar. Mas uma retratação não era nada diante da frustação que fica na cabeça de uma pré-adolescente que havia ensaiado meses para chegar no dia e ser deixada de lado.

As pessoas podem ser anjos na vida de outras pessoas como meus pais Gisela e Alajos Haase que não tinham nenhuma obrigação e me criaram como filha, me dando tudo o que sempre precisei. Mais que isso, criaram-me como uma princesa. Lembro-me de um tempo feliz que vivíamos em nosso lar.

Mas não me esqueço de que apesar de terem dinheiro não eram esnobes e me ensinaram muitos valores. Não posso perder o foco disso a essa altura da vida. Ensinaram-me a ser confiante em tudo que fazia e queria. Mas um dia eles partiram e no outro eu estava sozinha a mercê daqueles dois. Pai e filho. O pai me tirou o que me restava que era meu lar e o filho minha própria vida e dignidade. Até agora, quando eu começava a ver uma terceira chance chegando a minha vida. A segunda chance a madrinha me deu me encontrando a tempo de levar ao hospital e a primeira meus pais.

Quero me agarrar a essa oportunidade. E ninguém poderá me atrapalhar dessa vez!

Kaline,  -  Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora