Capítulo Nove

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Kaline,

Minha cabeça está uma confusão. Esses primos só podem estar brincando comigo. Um me liga o outro me chama para sair.

Vou para casa, assim que terminam as aulas. Tomo banho e fico pensando no telefonema do Nicolas.

— Quem está roubando seus pensamentos e colocando um sorriso em seus lábios mocinha?

— Ai madrinha, deixa de ser boba. Não estou sorrido. – Fico irritada e vou até o banheiro.

— A não? Então essa velha aqui agora está senil?

— Não disse isso.

— Vejo um sorriso em seus lábios meu amor e um brilho em seus olhos. Quem será que causou esse efeito? Um bailarino, um dançarino...? – Ela me segue e se encosta à porta.

— Ninguém. Já disse. – Ligo o chuveiro e entro. Ela continua encostada à porta, mantendo-a aberta, olhando para mim.

— Filha eu vou ficar muito feliz quando alguém conseguir chegar até seu coraçãozinho ferido e magoado. É o que mais desejo todos esses anos em que vejo você sofrendo. Sonho com o dia em que você chegue dizendo que está apaixonada e pelo que vejo esse dia não tarda.

— Madrinha a senhora não cogitou trabalhar com pintura na academia? Assim ocuparia seu tempo vago. – Sorrio para ela.

— Já trabalhei de mais. Agora gosto de caminhar pela orla da praia de Copacabana, já observou o quanto é lindo esse lugar? Isso sim que é curtir aposentadoria. Mas agora me diga o nome do felizardo.

Desligo o chuveiro e pego a toalha e me envolvo nela. Passo por minha madrinha e sento-me em minha cama.

— Não é nada sério. É que hoje o Nicolas me ligou...

— Filha então não foi ele há sete anos?

— Claro que não madrinha? O que levou a senhora a pensar isso?

— Você disse que o homem estava na academia e...

— Isso mesmo. Estava à noite, mas não o vi mais desde então. Pode que seja um convidado ou estivesse só de passagem. Espero não ver nunca mais.

— E tem certeza que era ele?

— Nunca esqueceria seu rosto. Por nada na vida.

Ela sentou-se perto de mim e colocou a mão sobre minha perna e olhou-me nos olhos...

— Então esse Nicolas...

— Então nada madrinha. – Fingi secar os cabelos. — Não fique com caraminholas.

Meu celular vibrou em sinal de e-mail recebido. Corri para ver do que se tratava. Talvez fosse um comunicado da academia.

A mensagem não tinha remetente só o corpo...

"A boca fechada é uma virtude e uma segurança". Tomar cuidado com as palavras que saem de sua boca é questão de prudência! O ocorrido no passado pode se repetir.

Joguei meu celular sobre a cama, como se o objeto queimasse minhas mãos, e me agarrei as minhas pernas, como se as cenas viessem novamente a minha mente. Não eram só imagens, era como se ele estivesse ali. Seu cheiro, seu gosto em minha boca. E imediatamente eu comecei a sentir ânsia de vômito, e mesmo sabendo que era minha madrinha, suas mãos tentando me segurar se tornaram as mãos de meu agressor, e sua voz me pedindo para reagir contra aquele maldito, era a voz dele me mandando gozar enquanto se enviava em meio a minhas pernas e eu comecei a gritar, e a gritar, sem ter controle de mim.

— Kaline. – Foi preciso que ela gritasse por mim diversas vezes, e então me levasse de volta ao banheiro e como em outras noites, me colocasse debaixo de água fria, para que eu voltasse a ter controle de minhas emoções.

E horas mais tarde, o que havia sobrado de mim, estava de volta.

— Filha talvez não seja para você. Quantos e-mails recebemos, e são apenas spams? Você mesma me ensinou sobre isso.

— Não madrinha. – Chorei em seu colo, ainda tremendo de frio. — Eu sei. É dele. Ele me viu e me reconheceu também. Eu sabia que não deixaria passar. Vamos embora madrinha! – Tentei ficar de pé. — A gente precisa ir agora. Vamos embora.

— Não. Se há alguém que precisa temer aqui é ele. Dessa vez ele vai pagar. E vai pagar muito caro. Ele fez o que fez porque você era uma menina inocente e indefesa. Mas eu sou uma mulher velha e experiente. E espero poder contar com a ajuda do Nicolas.

— Não. Madrinha me promete que não ira contar para ele.

— Filha... Não tem do que se envergonhar.

— Madrinha não... Por favor. Ele teria nojo de mim para sempre! Nunca mais me olharia com os olhos que me vê agora.

— Se gostar de você, não terá porque te olhar com outros olhos a não ser com o olhar de quem ama filha. — Agora vá dormir. Amanhã a gente conversa.

— Então me prometa.

— Eu vou pensar.

— Não madrinha...

— Kalie... — Eu não ouvi a promessa de minha madrinha. Ela com certeza havia me dado um dos malditos remédios que a médica recomendara para dias como esses. E por mais que eles parecessem estar longe, estava mais perto que nunca. Haviam dias que eu me sentia capaz de mudar o mundo, e em um piscar de olhos sentia que o mundo poderia me engolir.  

Kaline,  -  Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora