Eduardo bateu no apartamento de Melinda, transtornado. Havia terminado com uma de suas namoradas, que acabou se exaltando e batendo no rosto dele. Na confusão armada na frente da sua casa ela acabou caindo e machucando o braço. Terminaram porque eram tão transtornados juntos que provavelmente acabariam se matando, entre festas, bebidas e drogas demais.
Quem atendeu à porta foi Alzira, já sabendo que era ele, que havia ligado uma ou duas horas antes:
- Que que você quer? - ela abriu só uma fresta da porta, que tinham aquelas correntinhas que impediam de abrir tudo.
- Falar com a Melinda! Você vai me deixar entrar? - ele forçou a porta.
- Você tá trincando, lógico que você não vai entrar aqui, rala! - ela empurrou a porta de volta.
A voz de Melinda apareceu num grito ao fundo:
- Não deixa ele entrar, Alzira! To de saco cheio já! Todo dia uma merda nova! Todo dia!
- MELINDA, EU SOU SEU AMIGO DESDE SEMPRE, É ASSIM QUE SE TRATA UM AMIGO?
Ela apareceu na porta de roupão, furiosa:
- Eu vou chamar a polícia pra te levar, seu drogado! Na minha casa você não vai entrar! Toda vez é isso! Eu to cansada de você e da sua namorada louca! Cansada! - o celular dela tocou. Era a mãe de Eduardo, preocupadíssima.
Melinda fechou a porta na cara de Eduardo pra atender, e ele ficou parado no capacho, chorando.
- Oi? Sim, pra variar tá aqui na minha porta... Olha Dona Marina eu não vou deixar ele entrar não, vai ficar na rua! Eu trabalho amanhã cedo, ele vai bagunçar minha casa inteira! - suspiro - O que? Não, não eu não quero que a senhora mande alguém pra limpar aqui... A senhora vai ter que vir buscar ele viu? - ela foi andando pela casa até voltar pro quarto.
- Melinda, só você o entende, não o deixe na rua, é uma mãe que está pedindo!
- Eu vou conversar com ele e enfiar ele num táxi pra casa. Mas hoje, aqui em casa não! Cada vez que um namoro dele acaba, é um transtorno na minha vida - ela soluçou e começou a chorar copiosamente - eu entendo que a senhora é mãe sabe? Mas e eu? E eu?
- Você tem razão Mimi, eu estou sendo egoísta... só põe ele num táxi pra casa, é tudo que te peço...
- Tá! - ela fungou forte, o nariz estava escorrendo, limpou a mão no roupão felpudo.
- Eu nunca vou entender o que ele está procurando... ele já encontrou faz tempo.
Alzira entrou no quarto:
- Desliga esse telefone, essa véia fica querendo te manipular! Ninguém mandou mimar esse moleque! - arrancou o celular da mão dela e jogou longe - Espero que ela tenha ouvido o que eu disse! Melindaaaaaa, quando você vai cortar esse relacionamento que não te trás nada? Isso não é amor! Não é! - ela segurou a amiga pelos ombros e a sacudia enquanto dizia tudo isso. Melinda começou a chorar mais, soluçando alto.
- Eu vou por ele num táxi!
- Amiga, isso é tóxico demais! - Alzira a abraçou forte - Demais! Olha o que ele faz com você! Mimi! Senta. Você vai me prometer que vai por ele num táxi agora e excluir ele toda essa família maluca dele da sua vida... promete pra mim, Mimi!
- Eu prometo!
- Eu vou lá na porta com você! Você vai conseguir, eu to aqui!
Abriram a porta, ele estava sentado segurando os óculos, olhando para o chão.
- Anda, vamos descer e eu vou chamar um táxi! Sua mãe mandou você voltar pra casa agora!
- Me deixa ficar aqui, Melinda!
- Nem pensar! NEM PENSAR! Toda vez que você começa a namorar alguma modelete e dá merda, você vem se refugiar na minha casa. Acabou! Eu não tenho culpa se você só namora gente louca e entra na onda! Pra que? Pra se aparecer pros seus amigos? "Olhaaa eu namoro uma modelo riquinha", AH PAU NO SEU CU!
- Sério que você vai me dar sermão?
- Cala a boca! Cala a boca! Você vai me ouvir! Você é um mimado! Toda vez que dá bosta na sua casa ou com alguma namorada, ou porque você bebeu demais, fumou demais, gastou demais, é o meu saco que você vem encher! Não é o dos seus amigos! Por que? Por que eu? Vai chorar na casa dos seus amigos! Eu não sou seu brinquedo!
- Eu sempre volto pra cá porque eu te amo, Melinda! Você sabe disso!
Alzira se intrometeu:
- Quem ama deixa de ser rei pela pessoa amada! Deixa tudo e só vem! Que amor é esse, Eduardo?
- Eu não sei! Eu queria ser uma boa pessoa pra Melinda, mas eu não consigo!
Ela começou a dar de dedo nele, e falar o mais baixo possível, porém sempre firme e autoritária:
- Eu já sei qual é a tua, garoto. Tu quer status! Quer mulher troféu, e de preferência que tenha mais que a tua mãe né, pra tu continuar nessa vidinha sem estudar, sem trabalhar. Você tem 20 anos e faz o que da vida, garoto? Só festa? Só anda de terno, de carrão... de vez em quando vem aqui com o nariz cheio de pó... - ela riu - Sabe por que você sempre volta? Porque ela é a única que te ama e te aceita como você é, com o seu pior, com todas as merdas que você faz! Nenhuma namoradinha sua aceita isso, não interessa quanto você tenha na carteira! Amor não é contrato, Eduardo!
Ele continuou quieto, ouvindo, de vez em quando travava a respiração, como sempre. Ela continuou falando:
- Só não te esquece: o mundo não dá volta, o mundo tomba. E o dia que virar pro teu lado, pode ter certeza que eu vou estar aqui vendo você se foder. Agora vai chorar na tua casa, seu merdinha! Eu e a Melinda nunca mais queremos te ver aqui na área. Deu pra entender?
Melinda achou por bem dizer alguma coisa:
- Alzira, acho que já tá bom... Eduardo, acho melhor a gente esperar o táxi lá fora!
- Eu vou subir, qualquer coisa me chame, acho que já falei tudo que eu queria! - ela foi subindo as escadas de volta ao apartamento.
Melinda e Eduardo saíram do prédio pra esperar o táxi. Ela acendeu um cigarro.
- Eu não sou essa pessoa horrível que sua amiga disse que eu sou...
- Às vezes você é, Eduardo! O que a Alzira disse é verdade. O que eu ganho mal dá pra pagar as coisas... por que você, que caga dinheiro, ia querer ficar comigo? Não tenho nada a te oferecer! Fora que, Meu Deus, quando foi que você perdeu o controle com o pó e achou que tudo bem ficar trincado na porta dos outros numa terça-feira?
- Eu vou parar, eu vou parar! Eu prometo que vou parar! Mimi, eu não quero o dinheiro de ninguém! Bem, talvez, talvez, mas eu te amo de verdade! Eu quero ficar com você de verdade! Cada vez que eu namoro alguém e não dá certo eu me lembro do quanto você me ama e do quanto eu seria feliz com você!
- Mas aí você ia ter que trabalhar, e você não tá interessado!
- Eu não acredito que você tá me dizendo isso! Eu te amo, Porquinha, e eu vou te provar!
O táxi vinha se aproximando, de modo que Melinda apenas disse uma última coisa:
- Eu não quero te ver nunca mais, Eduardo! Some! - jogou a bituca de cigarro na calçada, com ódio.
E o deixou na calçada, mas ficou de olho para ter certeza de que ele entraria no carro. Avisou a mãe dele por mensagem que ele estava à caminho de casa. Entrou no apartamento e Alzira a abraçou:
- Bravo minha menina, você vai conseguir! Estou tão orgulhosa!
Melinda desatou a chorar e deitou na cama, Alzira deitou ao lado dela e fez carinho nos cabelos da amiga até ela dormir, embalada pelas próprias lágrimas.
Eduardo foi para casa pensativo. Precisava pelo menos parar com as drogas, estava com medo de usar demais e morrer. Não ficava sem quase nem um dia. Iria ficar limpo, pela Melinda. Ela já havia visto demais do pior dele, e estava na hora de ver o melhor. Por mais que ela dissesse que não, ele ia provar pra ela que conseguiria e que a amava muito.
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O Guia Prático Para Adultos Sem Prática
RomanceSer adulto é uma bosta. Tem boletos, cigarros, decepção amorosa, gente louca. E tem o romance de Melinda e Eduardo. Mas no fim, a prática leva a perfeição (ou não).